VENDE-SE (CORRIGIDO)

— Senhor, senhor. O senhor é o dono deste carrinho?

— Sim, meu rapaz, por quê?

— Todos os dias que passo vejo o senhor ao lado deste carrinho, com um saco de carvão e alguns espetinhos. Por que o senhor não acende o fogo e coloca os espetinhos na brasa? É um lugar muito movimentado.

— Olha, rapaz, até poderia, mas este carrinho não é meu. Foi minha esposa que comprou só para que eu não fique em casa. Eu ficava em casa assistindo televisão, jogando vídeo game com minha netinha. Sou aposentado, já trabalhei tanto na minha vida. Mas não, ela fica me chamando de preguiçoso, vagabundo, velho gagá, rabugento, entre tantos outros nomes que agora não vêm ao caso. Outro dia, nós estávamos assistindo televisão, ela mudou de canal e caiu num daqueles programas que vendem de tudo. Ela viu este carrinho de churrasco e, embaixo do produto, estava o número para ligar. O vendedor, de terno e gravata, todo sorridente, anunciava: "os dez primeiros que ligarem ganharão um saco de carvão". Minha esposa disse: "Eu vou ser a primeira, quero ganhar este brinde". Eu tentei tirar essa ideia da cabeça dela, dessa compra, mas quem disse que ela me escutou? Ela já foi logo gritando comigo: "Vou arrumar algo para você fazer, velho babão".

Aí, meu rapaz, para não contrariar minha esposa, deixei ela comprar este bendito carrinho, e aí acabou meu sossego. Chego neste ponto cedo — foi ela também que escolheu, dizendo que nem você, que o ponto era bom, uma beleza. Mas, para mim, só vejo poluição, barulho de ônibus. O que eu quero mesmo é ficar em casa curtindo minha aposentadoria com minha netinha. Então fico enrolando o dia todo, só acendo a churrasqueira quando estou indo embora. Quem sabe ela desiste... Por isso, quando você passa, você me vê com o saco de carvão na mão e olhando para cima.

— Olha, minha educação... Eu nem perguntei o nome do senhor.

— Eu me chamo José, rapaz. O pessoal daqui me chama de Zé, Zezinho.

— Mas, senhor José, por que o senhor não faz os espetinhos?

— Olha, rapaz, não querendo ser ignorante ou abusar da sua inteligência... Eu não faço o espetinho. Eles já vêm prontos; quem apronta é minha esposa.

— Senhor José, estou querendo saber por que o senhor não coloca os espetinhos na brasa. É uma renda a mais para o senhor e sua família.

— Até que eu tento, mas a coragem não me deixa. Como é duro ficar velho... Nesta idade aparece de tudo: ficamos carecas, barrigudos, as pelancas só aumentam, o falecido vira um morimbundo. É melhor parar por aqui, antes que eu comece a chorar.

— Rapaz, voltando ao nosso assunto... Estamos aqui todo esse tempo conversando e eu não perguntei seu nome. Desculpe, deve ser a idade...

— Senhor José, eu também me chamo José. Olha que coincidência!

— José, não querendo ser mal-educado, mas seu nome é muito feio. Que mau gosto dos seus pais. José, por que você não troca de nome? Coloca um nome mais bonito, como o meu.

— Oh, senhor José, como é que meu nome é feio se o senhor também se chama José?

— Nossa, José, então é por isso que minha esposa está me chamando de velho gagá. Será que estou caducando?

— Senhor José, nós estamos conversando há horas. Qual é o nome dela?

— José, o nome da minha flor é Josefa. Belo nome, não é?

— Sim, é diferente. Senhor José, voltando ao assunto do espetinho e da venda do carrinho...

— Qual espetinho? E que carrinho, José?

— Senhor José, estou falando do carrinho que o senhor está vendendo.

— Mas, José, quem disse a você que estou vendendo o carrinho?

— Senhor José, olha a placa: “Vende-se este carrinho”.

— Ah, é mesmo, José. Me lembrei, foi a minha esposa, Josefa, quem colocou a placa. Está lá desde a semana passada, estava estragando muita carne.

— Senhor José, por que o senhor não coloca os espetinhos para vender? Dá para o senhor ganhar um dinheirinho com os churrasquinhos.

— Olha, José, eu sei que vou vender muito, dá para ganhar um bom dinheirinho. Só não quero que você e o pessoal passem mal.

— Por que, senhor José?

— Sei que vocês vão comer tanto, tanto, que vão passar mal. Josefa faz os espetinhos com tanto carinho e amor que, de vez em quando, fico até com ciúmes. Sabe, José, tem algo que me intriga. Eu tinha tanto gato em casa, sumiu tudo.

— Senhor José, o senhor não perguntou para sua esposa?

— Perguntei, José. E olha o que ela me respondeu: "Devem ter sido os moleques da rua de cima. Outro dia, vi eles com um saco nas mãos, devem ter sido eles que pegaram os pobres gatinhos. Estavam tão gordinhos..." Esses moleques danados, José, e eu desconfiando de Josefa.

— Senhor José, será que os espetinhos não são de gato?

— José, Josefa não faria isso. Eu dou dinheiro para comprar carne todos os dias. E outra, ela é uma excelente cozinheira. De vez em quando, ela queima uma carne, arroz e o feijão, ela não me enxerga direito, mas, apesar de tudo, é uma excelente cozinheira.

— Eu sei, senhor José, que ela é uma excelente cozinheira, mas o senhor não acha estranho os gatos estarem sumindo?

— José, estranho eu até acho, mas não falo nada para não contrariar minha Josefa. Estamos casados há tanto tempo. Não é por causa de um gato ou dois e de um espetinho que vamos brigar, não é?

— Mas, senhor José, eu sei que o senhor ama sua esposa, mas e as pessoas que vão comer os espetinhos?

— José, eu não sou preguiçoso nem louco. Pareço, mas não sou.

— Senhor José, eu sei que o senhor não é preguiçoso nem louco, isso não vem ao caso agora. E se as pessoas descobrirem?

— José, as pessoas só vão descobrir se você falar. Ou se o gato miar no espetinho, o que é coisa impossível.

— Senhor José, o senhor está insinuando que eu vou contar para alguém?

— José, não estou insinuando nada. Deixe isso pra lá. Só não quero que você passe mal. Apesar de já terem me falado que gato tem gosto de coelho.

— José, por que vamos brigar? Gato tem de montão na rua. Eu só quero chegar em casa, dar um beijo em Josefa, mesmo ela brava, colocar minha cabeça no travesseiro e poder dormir com a consciência tranquila, sabendo que não vendi nada e que amanhã começa tudo de novo. Feliz por estar com Josefa e por ter conhecido meus amigos. E a venda do carrinho? Deixa a placa lá. Quem sabe algum dia eu venda, não é, José?

— Fala, senhor José.

— Vai um espetinho aí? Olha o gato... Miau!

PAULO PEREIRA
Enviado por PAULO PEREIRA em 03/10/2024
Código do texto: T8165783
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