Televisão: A visão além da telinha (atualizado)

Trabalho o dia inteiro, depois pego o trem, ônibus lotado, e não vejo a hora de chegar em casa.

Quando vou chegando perto do portão, escuto os meninos gritando:

– Mamãe, mamãe, o papai chegou!

Dou um abraço em cada um. Nessa hora, até o cansaço vai embora. Minha esposa já está na porta me esperando. Dou aquele abraço, um beijo, e entro abraçado com ela, enquanto os meninos ficam à nossa volta.

Ela diz:

– Vai tomar banho, que já estou terminando a janta.

Entro no banheiro, tiro a roupa suada, grudada no corpo depois de um dia de trabalho. Abro o chuveiro, apoio as mãos na parede e deixo a água cair sobre meu corpo. O cansaço parece que vai descendo pelo ralo, junto com a água. Esqueço até da hora.

Minha esposa bate na porta e me chama:

– Amor, o jantar já está pronto e as crianças estão esperando na mesa.

– Tudo bem, já estou indo. – Eu estava tão longe, pensando, que esqueci da hora. Desliguei o chuveiro, peguei a toalha que estava pendurada atrás da porta, me sequei, coloquei uma bermuda e uma camiseta, e saí do banheiro. As crianças reclamaram da minha demora. Pedi desculpas e fui para a cozinha.

A mesa está linda e farta para uma casa humilde. Tem carne de panela, arroz, feijão, batata frita, salada e suco de caju.

Oramos, agradecendo a Deus por nos dar condições de ter uma mesa farta e uma bela família.

Após a oração, os meninos “caíram matando” em cima da carne e da batatinha. Minha esposa até que tentou brigar com eles, mas desistiu.

Quando terminamos o jantar, agradecemos a Deus e fomos todos para o sofá assistir à televisão. Nós só alugamos filmes nos finais de semana. Os meninos começaram a brigar para ver quem ia ficar com o controle; um queria assistir desenho, o outro, futebol, e eu queria assistir ao jornal.

Minha esposa veio da cozinha, brava, e tomou o controle das mãos dos meninos:

– Seu pai trabalhou o dia inteiro e agora tem o direito de assistir. Vocês ficaram o dia inteiro vendo desenho e jogando vídeo game.

Os meninos ficaram de bico, resmungando, mas deixaram que eu assistisse. Peguei o controle: o primeiro canal, novela; o segundo, novela; o terceiro, também novela. Gritei:

– Meu Deus do céu! Será que, nesta bendita hora, só passa novela na televisão?

Deus que me perdoe por estar falando assim, mas vou tentar mais uma vez. Até que enfim, consegui ligar num jornal. Peço silêncio, espero uma boa notícia, uma bela paisagem, mas o que aparece? Nesta madrugada, na favela do Buraco Quente, morreram tantos; do outro lado da cidade, na favela do Redondo, mataram mais meia dúzia.

Estou cansado, trabalhei o dia inteiro. Quero ver coisas boas, bonitas. Não quero saber quem morreu e tampouco quem matou. Vou mudar de canal mais uma vez, quem sabe aparece algo melhor para assistir.

Passei, mudei, e o que aparece na televisão? Uma imensa bunda rebolando, tomando toda a tela. O câmera poderia ser mais discreto e mostrar também o rosto. Quando ele resolveu girar a câmera, descobri que era um programa de entrevistas. Minha esposa disse:

– Deixa aí, vamos ver o que vai passar.

A apresentadora:

– Hoje, no programa, vamos entrevistar mulheres bonitas que se destacam pelos seus corpos esculturais e volumosos.

Quando elas passam, homens e mulheres olham com nomes de frutas. Elas são a sensação do momento. Achei interessante.

A apresentadora começou a chamar as convidadas: uma mulher bunduda, rebolando de um lado para o outro; a segunda convidada só tinha peito, e já entrou perguntando para a plateia:

– Quem quer dar uma pegadinha?

Minha esposa ficou horrorizada:

– Eu não vou assistir a isso, que pouca vergonha! Parece uma salada de frutas feita de carne.

Antes de mudar de canal, chamei minha esposa:

– Olha, mulher, agora apareceu uma banana!

Antes de apanhar, acabei desistindo de assistir à televisão.

Depois que desliguei a televisão, fui para o computador e comecei a escrever: "Tudo pela audiência." De que adianta taxar este programa como impróprio para menores? A televisão foi uma das melhores invenções do homem; hoje em dia, é a desgraça da humanidade. O que dá audiência é falar e mostrar a desgraça dos outros.

Tem repórteres que vivem correndo o mundo à procura de reportagens boas e interessantes. É difícil encontrar. O que não presta, prevalece. O "bonito" é falar da miséria e da desgraça do povo.

Mostrar lugares bonitos e gente feliz não dá ibope. O que dá ibope? Mais um avião que caiu e matou mais de cem pessoas; o atirador que entrou numa escola e matou várias crianças; na favela, morreram tantos; do outro lado da cidade, colocaram fogo num ônibus e vários passageiros morreram carbonizados. Isso é que dá ibope!

Repórteres urubus televisivos não podem ver uma carniça que já estão em cima. A bola da vez é a pedofilia: em todos os canais, está passando. Câmera, ação! É mais um pai, ou mais um sem-vergonha, que diz que é homem, mas gosta de abusar de garotinhos e garotinhas. Esta é a febre do momento; todos querem mostrar o melhor ângulo daquela mãe que chora por ter um filho abusado por um desses monstros.

Para a televisão, o que importa é mostrar a desgraça do momento. Enquanto não aparece outra matéria pior, eles continuam sugando, sugando, enquanto dá ibope.

Políticos vão até a televisão, prometem um pouco de tudo. Eles mudam o cabelo, fazem a barba, tiram o bigode, mudam a fala, e as pessoas se esquecem do que prometeram em eleições passadas.

É fácil enganar o povo: dá um prato de comida, uma calça remendada, e uma cesta básica, e seu voto está garantido. A cada ano que se passa, a miséria enche a tela da televisão.

Enquanto o povo não se revoltar e mostrar que também é gente, temos direitos. A mídia fará o que quiser de nós. Eles continuarão bundalizando a televisão; só teremos novelas e telejornais que só mostrarão a desgraça do povo num país que também tem lugares bonitos e gente boa.

Quando falo que o povo tem que se ajuntar por causa disso, eu me envergonho. Quem tem dinheiro sempre dá um jeito: logo compra uma TV a cabo, e quando quer assistir a filmes, tem vários canais à disposição. Enquanto isso, o pobre tem que se contentar quando o vizinho empresta o filme da locadora que já assistiu ou espera passar algum filme que preste na sua televisão. Tem outra opção: comprar o pirata na barraca do camelô.

O povão não precisa de cultura; só precisa se acostumar com a pedofilia, a miséria, a prostituição, a fome, a bundalização e o que querem que assistamos.

Sabe de uma coisa? Vou pegar meu pijama de bolinha, desligar o computador, deitar em minha cama, descansar este corpo cansado, dar um beijo na minha esposa e dormir agarrado com ela, porque amanhã começa tudo de novo. Se eu não estiver descansado, não renderei no trabalho, e meu patrão me mandará embora. E aí, serei mais um desempregado que aparecerá na televisão.

Boa noite.

PAULO PEREIRA
Enviado por PAULO PEREIRA em 03/10/2024
Código do texto: T8165781
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.