A MÉDICA
O pai criava os filhos com rigidez. Exercia um tirânico controle, ainda mais sobre as filhas.
Elas deveriam ficar em casa. No máximo, irem à igreja. Bailes, quermesses, nem pensar.
Uma de suas filhas era muito inteligente e deseja estudar. Isto para aquele homem era um completo absurdo.
Porém, burlando a vigilância paterna, a menina começou a frequentar uma escola noturna. Quando o pai pensava que ela estava dormindo, ela estava aprendendo e se encantando com o mundo do saber. Tinha tomado uma decisão: queria ser médica.
Ao saber que sua filha estudava, o pai decidiu que lhe daria uma surra. Com medo, ela fugiu.
Foi para a capital, praticamente com a roupa do corpo. E lá conheceu o mundo: pessoas boas e ruins passaram em seu caminho.
Arrumou emprego de faxineira, empregada doméstica, caixa em supermercado.
Trabalhava de manhã e a tarde. Estudava a noite. Nunca abandonou os estudos, por mais dificultosa que fosse a sua situação.
Com a ajuda de uma ex-patroa, conseguiu entrar na faculdade de Medicina. Em pouco tempo, já era a primeira da turma, conseguindo uma bolsa de estudos, o que lhe permitiu viver com algum conforto.
Formou-se. Fez residência em muitos hospitais.
Um dia, chegou uma ambulância vinda do interior. Era um caso grave e ela foi chamada para atender um senhor que já estava entre a vida e a morte.
Ela, com todo o seu conhecimento e habilidade, o fez voltar à vida.
Quando o homem abriu os olhos, não podia acreditar: era a sua filha!
Abraçou-a e pediu perdão por tudo que a tinha feito passar.
Ela o convidou para morar com ela, no apartamento que há pouco comprara. Mas, ele recusou.
Voltou para o interior. E a filha sempre o visitava, cuidando de sua saúde.
E assim, ele viveu por mais alguns anos, sossegado e sereno, como se tivesse tirado um enorme fardo de suas costas. E morreu, adormecido, tranquilo. Em paz.
2003