Assombração (ATUALIZADO)

Seu moço, vou lhe contar a história do meu sertão. Lá a vida é muito dura, até pra entender tem que prestar muita atenção. A terra em que nasci é abençoada, pois foi lá que cresci e tive muitas namoradas. Hoje, tenho saudade de lá, das bandas do sertão, onde canta o sabiá e tem muita assombração.

Pois, seu moço, vou lhe contar uma história de arrepiar. Foi numa noite, na ida para a casa da minha namorada. Para chegar à casa dela, passei por muitas cancelas: boi dormindo e vaca parida, coruja, entre outros bichos noturnos. Mas, no clarear da lua, avistei uma assombração me acenando com a mão.

Quando vi aquilo, corri feito louco no meio da mata. Quando já não tinha mais fôlego, enrosquei a camisa no galho. O meu medo era tanto que, dentro daquela mata, fiquei paralisado. Tentava desenroscar a camisa, mas quanto mais tentava, mais ela enroscava. No meio da mata, escutava de tudo: o barulho das corujas, os pernilongos zumbindo nos meus ouvidos. Eu tremia como vara verde.

Comecei a pensar na minha namorada para ver se o medo diminuía. Morena dos lábios carnudos, pernas torneadas, olhos negros, seios fartos, cabelos lisos. Como ela fica bela naquele vestido rodado! Por um instante, até perdi o medo. Olhei para a lua, que estava cheia, cheia como o meu amor pela minha morena. Ajoelhei, todo enroscado naqueles galhos, e numa oração pedi ao meu bom Deus que, se me tirasse daquela mata, eu pediria a mão da minha morena em casamento.

Como num passe de mágica, fui me desenroscando daqueles galhos. Parecia que Deus havia ouvido minhas preces, pois, de repente, escutei uma voz. Era meu compadre Lampião. Comecei a gritar e a agradecer a Deus, e, com meus gritos, meu compadre Lampião acabou me achando.

Abracei Lampião e perguntei se ele também estava perdido. Sabe o que ele me respondeu?

— Que nada, compadre Barnabé! Estava à sua procura. Na casa da morena Rosinha, todos estão à sua procura. Seu futuro sogro, Coronel Bartolomeu, disse que estava no meio do caminho quando te viu. Ele ergueu o braço e, de repente, você correu para o meio da mata. Ele está dizendo que quem corre é porque deve, e cabra safado, que tira a pureza da moça de família e não assume, é tratado no facão ou na espingarda.

— Mas, compadre Lampião, pensei que fosse uma assombração!

— Que nada, compadre Barnabé. Era seu futuro sogro!

— Compadre Barnabé, se fosse você, eu corria. Coronel Bartolomeu está à tua procura, e está dizendo que você embuchou a filha dele. Já foi até a cidade buscar o padre, e disse mais: você vai ter que se casar com Rosinha por ter desflorado sua filha e desonrado sua família. Compadre Barnabé, corra que ainda há tempo!

— Compadre Lampião, eu não vou fugir. O que mais quero é casar com ela, minha morena dos lábios carnudos. Vou até o Coronel pedir a mão de Rosinha em casamento. Posso até tomar um tiro, mas, em minha oração dentro da mata, pedi a Deus que, se me tirasse de lá, eu me casaria com ela.

— Você é corajoso, compadre! Então monte no cavalo. Temos uma mão a pedir em casamento e um funeral a evitar!

— Espera aí, compadre Lampião, deixa eu me arrumar. Agora sim, vamos. A fazenda está longe, tem muito chão a trotar.

Horas depois, Barnabé avista a fazenda.

— Olha lá, compadre Lampião, parece que está tendo uma festa.

— Não lhe disse, compadre Barnabé, que Coronel Bartolomeu estava preparando seu casamento? Então, vamos logo. Tem uma noiva esperando!

— Compadre Barnabé, não fique muito feliz. Olha quem está de tocaia: os capangas do Coronel Bartolomeu, com espingardas, estão lhe esperando.

— Não se desespere, compadre Lampião. As pernas podem até tremer, posso até tomar um tiro, mas com Rosinha eu vou casar. Então, vamos entrar na fazenda!

— Seja o que Deus quiser — disse Lampião. De lá da porta do casarão, Coronel Bartolomeu avistou os dois compadres. Saiu com seu cavalo e uma espingarda na mão. Rosinha gritou:

— Papai, não mate Barnabé! Eu o amo.

— Não vou matar, mas Barnabé vai ter que se casar. Filha minha, sem-vergonha, não desonra e foge! Se fugir, toma um tiro nos quartos pra largar de ser besta!

— Pai, não atire! Se o senhor atira nos quartos, que utilidade Barnabé vai ter pra mim?

Barnabé e Lampião se encontram com o Coronel no meio da fazenda. Coronel Bartolomeu, montado em seu cavalo e com a espingarda na mão, diz:

— Barnabé, você vai se casar com minha filha Rosinha, seu cabra sem-vergonha!

— Olha como são as coisas, Coronel Bartolomeu. Nós estávamos indo à fazenda para pedir a mão de sua filha em casamento. Já que o senhor veio com toda essa delicadeza, já trouxe o compadre Lampião para ser meu padrinho.

— O senhor confirma essa história, Lampião?

— Sim, sim, Coronel Bartolomeu! Sou o padrinho do noivo.

— Então está bem. Vai se preparar, Barnabé. Lampião, temos um casamento a realizar.

Rosinha chega e os olhos de Barnabé brilham. Ela dá um abraço no pai, Coronel Bartolomeu, e lhe dá um beijo na face, agradecendo por não ter matado Barnabé, o grande amor de sua vida. O Coronel volta para a fazenda, vai até o terreiro e anuncia o casamento de sua filha Rosinha com Barnabé. Ele grita para os peões:

— Bota mais lenha na fogueira, mata mais um boi, porque minha filha Rosinha vai se casar! Toca a sanfona, sanfoneiro! Quero ver a poeira subir, porque hoje é um dia especial!

Os convidados gritam "viva os noivos" e "viva Coronel Bartolomeu!" No quarto da fazenda, Barnabé e seu compadre, agora padrinho Lampião, se trocam. Um dá nó na gravata, enquanto o outro arruma as calças. Em outro quarto, Rosinha se prepara para o casamento, tomando banho de cheiro enquanto as criadas arrumam seus cabelos, pintam suas unhas e passam maquiagem em seu rosto. Seus olhos brilham, ansiosa para estar nos braços do seu amado.

Enquanto isso, lá fora, muita cachaça, música tocando, madeira estalando na fogueira e churrasco no fogo. Padre Feliciano olha para o relógio e chama o Coronel:

— Está na hora, Coronel! Já é muito tarde. De manhã, tenho outro casamento na igreja e, daqui pra cidade, é muito longe. Se eu não sair cedo, quem vai chegar atrasado sou eu!

— Tudo bem, padre, vou mandar chamar o noivo.

Um dos criados vai até onde estão Barnabé e Lampião:

— O Coronel e o padre estão esperando vocês no altar.

— Já estamos indo — responde Barnabé. Ele olha para Lampião e diz:

— É agora, compadre! Vou me casar com minha Rosinha.

Minutos depois, Barnabé chega ao altar com seu único padrinho, Lampião. Cumprimentam o padre e o Coronel Bartolomeu. Os convidados começam a se assentar e perguntar uns aos outros:

— Você viu a noiva? Deve estar linda.

Barnabé, no altar, com as mãos suando e as pernas tremendo, vai ficando pálido.

— Olha, Barnabé, vê se segura! Não vai desmaiar agora — diz Lampião. — Eita, noiva que demora. Cadê Rosinha? Será que fugiu?

— Larga de besteira, compadre Barnabé. A noiva tá buchuda!

No altar, até o padre Feliciano, já acostumado com as demoras das noivas, reclamava:

— Mas que demora! De repente, a música começa a tocar e todos os convidados olham, procurando a noiva. Os olhos de Barnabé brilham e o coração bate mais forte. Um dos convidados pergunta:

— Cadê a noiva?

Até que Rosinha aparece, vestindo um vestido branco com uma enorme cauda que se arrasta no chão de terra vermelha. Ela caminha em direção ao altar, de braço dado ao seu pai, Coronel Bartolomeu. Sua mãe não se aguenta e chora. No altar, Barnabé já a espera sorridente, em frente ao padre. O Coronel entrega a mão de sua filha Rosinha. Todos ficam em silêncio, e o padre Feliciano pergunta:

— Barnabé, o senhor aceita Rosinha como sua legítima esposa, até que a morte os separe?

— Sim — responde Barnabé.

— Então, coloque a aliança na mão de sua esposa Rosinha.

O padre Feliciano se volta para Rosinha:

— Rosinha, a senhorita aceita Barnabé como seu legítimo esposo?

— Sim! — responde Rosinha.

— Então, coloque a aliança na mão de seu esposo, Barnabé.

— Barnabé e Rosinha, com o poder que me é concedido, eu os declaro marido e mulher. Agora, pode beijar a noiva!

Coronel Bartolomeu não esperou nem os cumprimentos. Gritou:

— Vamos à festa! Temos muita cachaça e churrasco do bom! Vamos, minha gente, minha filha acabou de se casar! Toca, sanfoneiro!

O sanfoneiro pegou sua sanfona e começou a tocar. Barnabé e Rosinha se olharam e foram os primeiros a começar a dançar no meio do terreiro. Os convidados se juntaram no arrasta-pé e a poeira subiu, e a festa foi até o último convidado.

Quando o sol começou a surgir, Barnabé e Rosinha nem descansaram. Deram tchau ao Coronel Bartolomeu e à sua esposa. O homem, sempre duro, deixou cair uma lágrima no rosto e pediu à filha:

— Fique, a fazenda é muito grande, dá para nós todos morarmos aqui.

— Não, pai. Eu e Barnabé vamos viver a nossa vida. Já temos nossa casinha lá no pé da serra, onde dá para criar nossos filhos. Também não fica tão longe daqui, o senhor e a mãe podem nos visitar.

Barnabé chamou Rosinha. Montaram na carroça com os presentes que ganharam e se foram embora.

PAULO PEREIRA
Enviado por PAULO PEREIRA em 28/09/2024
Código do texto: T8161883
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