Sombras do Silêncio
Parece meu último momento, aqui sentado na sala de espera do aeroporto junto de Ana. Estamos em silêncio lado a lado. Ela tenta tocar minha mão, eu não deixo. A esperar está durando tempo demais.
Quando olho para o espelho, vejo um homem que parece ter tudo: um emprego estável, amigos leais e uma mulher que me ama. Mas, por trás desse reflexo, há um abismo. Dentro de mim, uma voz ecoa — não é uma voz que fala, mas um sussurro, uma sombra que molda cada pensamento e ação. Eu sou Carlos, e carrego um segredo que nunca tive coragem de compartilhar.
Aos dez anos, a inocência me foi arrancada como se eu fosse um brinquedo quebrado. Lembro-me da sensação de estar perdido em um labirinto sem saída. O que aconteceu naquele dia se tornou parte de mim, como uma tatuagem invisível que me acompanha a cada passo.Meu algoz era uma pessoa conhecida e me ameaçou se um dia eu contasse a alguem o que acontecera. Eu era apenas uma crianca violada em sua inocencia. Desde então, aprendi a construir paredes ao meu redor. Paredes que protegem, mas também isolam.
A mulher que amo, Ana, é a luz em minha vida — um farol em meio à tempestade. Ela me faz rir e sonhar; é meu refúgio. Mas quando se trata de nos conectarmos de verdade, algo dentro de mim se fecha. Às vezes, sinto como se estivesse segurando uma faca afiada entre os dedos, temendo o corte que poderia causar a ela.
Quando ela tenta me tocar, sinto o calor do seu amor se espalhar por mim; mas logo em seguida, as sombras começam a sussurrar. “Você não merece isso”, elas dizem. “Se ela soubesse…” O medo se transforma em uma corrente invisível que me prende ao chão. A cada dia que passa, me pergunto quanto tempo mais consigo manter essa máscara.
Lembro-me das noites em que a observava dormir. Seu rosto sereno trazia paz ao meu coração atribulado, mas também dor. Como posso ser digno do amor dela quando carrego essa mácula? O silêncio se torna ensurdecedor e eu me afundo nele.
Finalmente chegou o dia em que percebi: não posso continuar assim. A decisão foi difícil e dolorosa; eu sabia que ao deixar Ana partir, estava abrindo mão da única luz que iluminava minha escuridão. Mas ao mesmo tempo, percebi que mantê-la ao meu lado significava condená-la a viver na sombra do meu segredo.
"Carlos," ela disse com lágrimas nos olhos quando expliquei minha decisão. "Eu te amo! Não precisa carregar isso sozinho." Mas as palavras dela foram como água escorrendo pelas minhas mãos; eu não conseguia segurar a verdade.
A voz começou a chamar para o embarque. E assim deixei Ana ir — não porque não a amava, mas porque amá-la significava libertá-la das correntes invisíveis que eu mesmo havia criado. O silêncio agora é ensurdecedor e as sombras dançam ao meu redor.
Agora sou apenas eu e minha voz interior — um homem quebrado tentando reconstruir-se em meio aos ecos do passado. Mas talvez um dia eu encontre coragem para falar. Por enquanto, vivo com essas sombras e espero que o tempo possa curar as feridas que nunca foram visíveis para ninguém.