O escritor pervertido e confuso
" Esta noite pedirei que durma comigo."
" E para quê? Não sou paga para isso!"
" Sinto-me amedrontado...e com tesão também."
Sorrindo e compreendendo o que queria dela, lhe diz:
"Então quer dizer que o senhor escritor precisará novamente de minha ajuda? Desta vez ajudo mais com o medo ou com o tesão, meu garotinho mimado!"
"Não ria da minha cara, por favor, estou longe de ser um garotinho mimado, sou um escritor e escritores são por regra malucos ou ladrões ególatras. Além disso, já a diverti bastante com as minhas crises...sabe muito bem que sinto muito medo e junto com ele um tesão irrefreável, veja...! Uma noite, deitado em meu quarto escutei misteriosos rangidos de portas e janelas abrindo e fechando, evidentemente isso me assustou, logo depois, soprou em meu rosto um vento ruidoso, que enregelava até os ossos. Nesta mesma noite, dormia em seu quarto, uma antiga cuidadora, a bela e morena Angelita. Fui até lá, não me olhe assim, eu estava tomado de pavor! Acordei-a com beijos furiosos e molhados, dava-lhe lambidas convulsivas nos lábios. Angelita não era medrosa como eu e deixou-se entregar. Transamos toda a madrugada e no dia seguinte o Doutor Miro, meu médico da cabeça, me revelou que aquelas coisas eram coisas da minha mente pervertida e labiríntica de escritor."
À noite.
Ouve-se barulho de campainha, entra Cecília com imensos fones de ouvidos, cumprimenta Anatole com um ligeiro aceno de mãos.
" Já estou com medo." diz ele.
" Por acaso, o senhor tomou hoje, todos aqueles remédios coloridos? São quinze para as onze, a essa hora o senhor já deveria estar completamente medicado" ela o adverte, tirando os fones de ouvidos.
Anatole dramático responde: "Não me acostumo, sou indisciplinado, um gênio caótico, indomável, incapaz de seguir a mais salutar regra. E ainda, você sabe muito bem desta informação, eu me confundo com todas aquelas cores, nunca sei se o comprimido amarelo deve ser tomado antes do laranja."
Cecília abre a gaveta, retirando de dentro com destreza e zelo, um enorme porta comprimidos, cheio de capsulas e vitaminas multicoloridas, semelhantes a balas de goma. Entrega-o a Anatole, que retira um punhado e os engole de uma só vez. Enquanto Cecília observa-o estanque com um copo de água nas mãos.
Na madrugada.
Anatole e Cecília dormem em quartos separados. Ouve-se o rangido de portas e janelas. Uma névoa densa e gelada invade todo o ambiente, Anatole está terrificado, imerso em profunda crise de ansiedade, vai até o quarto de Cecília e a encontra dormindo tranquilamente, levitando metro e meio além da cama, exatamente como a moça do filme O Exorcista. Tal cena não serviu para aumentar um milímetro sequer o medo e o estado de confusão em que se encontrava, muito pelo contrário, incitou lhe a tomar uma atitude corajosa.
Destemido, abaixa delicadamente o corpo até o nível da cama, acomodando-o enquanto ajeita seus cabelos espalhados pelo rosto. Então, Anotole deita ao lado de Cecília, a envolve em seus braços debaixo do edredom, para se protegerem dos gélidos bafos de aberrações sobrenaturais.
Eles transam a madrugada inteira, só terminam a farra quando extenuados, caem desfalecidos já com o dia luminoso e quente.
Dia seguinte, à tarde.
Após Anatole contar o que houve a noite passada, Cecília diz não se lembrar de nada, nem de rangidos, nem de temperaturas abaixo de zero, de levitar metro e meio sobre a cama e muito menos de ter transado torridamente a madrugada inteira. E que urgentemente voltasse ao Doutor Miro para aumentar a dose e o espectro de cores das cápsulas dos remédios. Ela possuía no rosto uma expressão que Anatole não sabia distinguir se falava à sério ou se estava rindo de sua cara, como tem o costume de fazer.