LEMBRANÇA MALDITA

Ana estava na varanda de sua casa de campo, observava a natureza com tranqüilidade. O sol se punha emitindo seus ultimos e fracos raios dourados. Uma lágrima inesperada desceu pela face e ela deixou propositadamente chegar até o queixo, quando então eliminou-a com a mão.Talvez soubesse a razão daquele ato, mas se esforçava para esquecer, não seria oportuna essa tristeza nesse momento quando ali estava apenas por lazer, livrara-se da rotina da cidade grande e ali se refugiara, apenas com a sua filha menor, que brincava numa área ao lado da casa de campo, herança de seus pais que faleceram há anos. A tristeza insistia em envolver-lhe como a brincar com os seus sentimentos. Ana tentava ser forte, mas a emoção era maior e não teve como evitar que mais lágrimas rolassem compulsivamente.

Aqueles anos da sua adolescência tinham tudo para deixá-la feliz e sem ressentimentos, tinha apenas 17 anos, morava nessa casa de estilo antigo, agora reformada, fazia tempo que não punha os pés nela, sentia até medo, principalmente quando seus genitores faleceram deixando o imovel praticamente no abandono, só depois com a ajuda dos tios e irmãos é que iniciou uma reforma na casa de campo e um dos irmãos resolveu ali morar e administrar. Ana não tinha coragem de ali por seus pés, estava chateada com tudo que aconteceu com ela.

Era uma tarde de verão, Ana ainda menina gostava de explorar sozinha, em algumas tardea, aqueles imensos campos da propriedade dos pais, sentia-se feliz com isso. Numa certa oportunidade ela se viu diante de um sujeito que se aproximou dela com instintos bestiais. Mesmo que gritasse ninguém ouviria. Ela sofreu um estupro e nem teve condições físicas de resistir, foi abusada criminisamente. Ana já tinha visto aquele homem ali, era um dos empregados da propriedade e até ameaçou-a depois de praticar os atos libidinosos. Chorando e com as roupas sujas de barro voltou para casa, mas conteve o choro para não preocupar seus pais. Tomou um banho e foi para seu quarto.

O tempo passou e em algumas semanas foi constatada a gravidez. Questionada ela não acusou o homem que a violentou, tinha medo que algo lhe acontecesse ou aos seus pais. Encobriu a verdadeira identidade do estuprador e todos ficaram pensando tratar-se de algum namoradinho que resolveu sumir. Nove meses depois a criança nasceu, ela já estava na casa da cidade e ali permaneceu por vários anos, nunca mais voltou para a casa de campo.

Agora estava ali novamente como se algo a tivesse impulsionado para aquele lugar que detestava, mergulhou inconscientemente no passado e teve a impressão de passar por tudo novamente. Todo esse tempo viveu como uma pessoa problemática, sem muito interesse pela vida, porém a sua filha, mesmo com um pai criminoso, teve o seu amor e também dos familiares, afinal ninguém sabia quem era o pai. Quando seu irmão foi morar na propriedade, que estava praticamente abandonada, com poucas atividades, reintegrou ao serviço vários empregados que haviam sido demitidos. O momento agora estava a todo vapor.

Ali na varanda Ana observava o horizonte relembrando seus tempos de menina. Agora com 25 anos estava pensativa, apenas deixou de fazer o que fazia quando adolescente, andar sozinha por ali, o medo ainda a preocupava. Foi até o pasto, muitos animais, o trabalho duro dos empregados e uma sensação estranha de que algo estava para acontecer, só não sabia o que. Foi nesse momento que um dos empregados lhe chamou a atenção, Ana se sentiu paralisada, aquele homem era com certeza o seu estuprador. A cólera tomou conta dela, aquele indivíduo não poderia mais ficar impune, na sua imaginação prometera puní-lo de alguma forma, mas na prática o medo a atormentava. Agora era diferente, estava ainda sofrendo com essa situação e se o destino a trouxe até ali era para ela fazer alguma coisa para apagar de vez essa lembrança maldita que nunca a abandonou. Voltou rapidamente para o interior da propriedade, no quarto sua filha estava dormindo, então ela foi até o antigo escritório do pai a procura de algo que ela bem conhecia. Num confre onde o irmão guardava alguns documentos existia uma arma carregada, ela pegou-a e escondeu na roupa. Seguiu imediatamente para o local onde o estuprador estava e se dirigiu até ele que de imediato não a reconheceu. Mas com alguma conversa o homem deduziu que se tratava de Ana, a sua vítima de alguns anos atrás. Com um sorriso sarcástico ele até brincou:

- A boneca não mudou nada, está até mais linda. Ainda costuma passear sozinha?

Era só o que ela queria, que ele a reconhecesse. Ela também riu com um pouco de sarcasmo, pegou a arma e friamente atirou no peito dele, repetindo o disparo. O homem caiu ensangüentado enquanto ela saiu discretamente e guardou a arma no mesmo lugar, em seguida foi para seu quarto onde chorou copiosamente. A filha acordou assustada perguntando o que tinha acontecido. Ana nada respondeu. Esclarecidos os fatos Ana deixou aquele lugar, mesmo sendo dela, prometendo nunca mais voltar.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 26/09/2024
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