AMOR ÀS ESCURAS
Nota ao leitor:
Este conto fala sobre os altos e baixos das relações complicadas, onde o desejo pode se misturar com a culpa.
Ele mostra o quanto pode ser doloroso ser o segredo na vida de alguém, e como isso acaba tirando o brilho dos momentos mais apaixonados.
A história de Mariana nos lembra que todos merecemos ser amados de forma aberta e verdadeira, sem ficarmos escondidos.
Que essa reflexão ajude cada um a perceber o valor de estar em uma relação que traz clareza e não escuridão.
Boa leitura :D
" AMOR ÀS ESCURAS"
Um conto por Sidnei Nascimento
Mariana 30 e poucos anos, estava deitada na cama, a luz fraca da noite invadindo seu quarto pelas frestas da cortina.
O celular repousava ao lado, silencioso, mas ela sabia que a qualquer momento ele vibraria.
O ritual era sempre o mesmo. Ela esperava, ansiosa e ao mesmo tempo exausta, pelo sinal de vida dele, pelo chamado. E então, o aparelho tremeu, exatamente como ela previra.
“Tô indo.”
Aquelas duas palavras, tão simples, carregavam o peso de tudo o que ela vinha suportando nos últimos meses.
Mariana se sentou na cama, sentindo um nó se formar em sua garganta.
O frio da madrugada parecia penetrar pela pele, mais profundo que o ar, como se cada gota de arrependimento fosse uma brisa gelada corroendo sua vontade de continuar.
Quando ele chegou, o som do motor do carro abafou o silêncio da rua deserta.
Era como se o mundo se apagasse para eles naquele momento, como se nada mais existisse além do espaço apertado dentro daquele veículo.
Ela entrou no carro, e o cheiro de couro e gasolina misturado ao perfume que ele sempre usava a envolveu. A escuridão lá fora refletia no vidro, criando o ambiente perfeito para se esconder de tudo e de todos, como sempre fizeram.
Os lábios dele tocaram os dela de forma urgente, mas o beijo parecia diferente dessa vez. Não havia mais a mesma intensidade, o mesmo fogo.
Para Mariana, tudo parecia mecânico. Ele segurava seu rosto com uma mão enquanto a outra ficava no volante, pronto para partir a qualquer sinal.
Beijavam-se sempre assim, dentro do carro, com os vidros fechados, escondidos como se fossem criminosos.
Mariana se afastou um pouco, encarando o reflexo distorcido dele no vidro da janela, onde as luzes da rua piscavam ao longe.
"Até quando?", ela pensou, enquanto seu coração se apertava.
A cada encontro, aquela pergunta surgia mais forte em sua mente.
Ele tinha outra vida. Uma vida que ela não conhecia, uma casa para onde ele sempre voltava ao fim de cada noite que passavam juntos.
A primeira vez que ela o beijou, não sabia da aliança.
A paixão foi rápida, voraz, e ela mergulhou de cabeça. Eles se encontravam em bares discretos, trocavam olhares que queimavam de desejo, e quando ele a levou para o carro naquela primeira noite, ela sentiu que o mundo girava mais devagar, que cada segundo com ele era precioso.
Mas então, semanas depois, no meio de um desses encontros, ela notou algo estranho...
...um movimento sutil de sua mão, como se ele escondesse algo no bolso.
E foi assim que ela descobriu. A verdade veio à tona como uma avalanche, devastando tudo ao redor. Ele era comprometido.
O choque a atingiu com força, mas o pior foi perceber que, naquele momento, ela já estava envolvida demais, atolada em um pecado que consumia sua consciência.
A paixão era intensa demais para ser deixada de lado tão facilmente.
No entanto, com o tempo, as coisas mudaram.
Os encontros clandestinos que antes traziam excitação agora a deixavam desgastada.
A sensação de ser a sombra de alguém, o segredo do outro, pesava mais a cada beijo.
Os quartos baratos de beira de estrada, onde se encontravam às pressas, pareciam sujos, frios.
O silêncio que os cercava não era mais um alívio, mas uma prisão.
Mariana estava cansada de ser uma fugitiva do mundo real, vivendo à margem, com o coração dilacerado pela culpa e pela frustração.
Naquela noite, dentro do carro, ela percebeu que não podia mais continuar.
O cheiro do perfume dele, que antes a deixava eufórica, agora a enjoava.
Ela fechou os olhos por um momento, tentando resgatar a sensação que uma vez existiu, mas nada veio. Só o vazio.
Ele olhou para ela, esperando que tudo fosse como sempre um beijo rápido, um toque sutil, e então o silêncio enquanto dirigiam para algum lugar afastado. Mas desta vez, Mariana não se moveu.
- Não dá mais!
sussurrou ela, sem conseguir encará-lo diretamente.
As palavras saíram pesadas, carregadas de todas as noites mal dormidas, de todos os momentos em que ela se sentiu a segunda opção.
Ele franziu o cenho, sem entender.
- O que você tá falando?
- Eu não posso continuar assim... sendo o segredo de alguém, a sombra de uma vida que eu nunca vou conhecer. Eu mereço mais.
Ele abriu a boca, como se fosse responder, mas nenhuma palavra saiu.
O silêncio que se seguiu foi cortante. Mariana sabia que ele não iria mudar.
O ciclo se repetiria, como sempre, e ela acabaria novamente naquele carro, beijando-o às escondidas, engolindo a dor de saber que ele voltaria para outra pessoa.
Ela abriu a porta do carro e saiu, sentindo o ar frio da noite bater em seu rosto. Não olhou para trás.
Com passos firmes, seguiu em direção à rua deserta, onde as luzes piscavam ao longe, como um sinal de que o mundo lá fora a esperava.
O som do motor do carro se distanciou, e pela primeira vez, Mariana se sentiu livre, mesmo que estivesse sozinha.