O último canibal vegetariano

Feito o pássaro dodo, caçado até a morte, a espécie também foi extinta.

Ele era o último exemplar da raça: canibal e vegetariano ao mesmo tempo.

Adorava frutas, legumes e verduras, carne de soja, quibe cru e sashimi.

Também mortadela de glúten, hambúrguer vegetal e suco de beterraba.

Mesmo assim era preciso tomar muito cuidado com o raro exemplar.

Porque ele não havia perdido todas as suas características ancestrais.

Sua genética ainda estava impregnada de canibalismo.

Essa porção convivia muito bem com seu vegetarianismo.

Então, apreciava comer as plantas dos pés das pessoas.

Perto dele era sempre recomendável andar calçado.

Se a pessoa não usasse luvas podia ter as palmas das mãos devoradas.

Também apreciava canela em pó, em pau e sobretudo em osso.

Andar com as canelas descobertas podia acabar numas dentadas sangrentas.

Ah, e as maçãs do rosto, então? Eram irresistíveis.

Ele tinha verdadeira tara por elas: pobres das mulheres!

Que ainda tinham de cuidar muito bem de seus melões.

Não apenas usar sutiãs reforçados.

Também mantê-los bem cobertos e escondidos para não chamar a atenção.

Por outro lado, ele apreciava muito pouco maçãs do rosto masculinas.

Ou as plantas dos pés, palmas das mãos ou as canelas dos homens.

E muito menos suas cenouras, pepinos, nabos ou mandiocas.

E foi um homem chamado João Oliveira que colocou fim àquela espécie.

O último representante da raça morreu ao levar uma tremenda paulada na cabeça.

Foi num momento de distração enquanto devorava a árvore genealógica da família de João.

Árvore que dera muito trabalho construir e cultivar, que consumira muito papel, pesquisa e tinta.

Perdeu-se a árvore da família Oliveira, mas ficamos todos livres das mordidas daquele ser abjeto.

Teve festa na cidade, fogos de artifício iluminaram nosso céu.

Todos os cidadãos saíram pelados pelas ruas para comemorar.

Ninguém mais iria mordê-los ou comê-los, quer dizer, nenhum canibal.

Apenas duas pessoas permaneceram vestidas: João e eu.

Apesar de seu ato heroico João foi preso porque acabou com a maior atração turística da cidade.

Eu porque estava com umas brotoejas nas nádegas, então fiquei em casa mesmo, sentado em generosas almofadas, registrando essa história.