Sobrevivendo a Rute

Já fazia pouco mais de um ano que Maria, junto com os pais, mudara-se para um belo apartamento. A mãe e o pai trabalhavam fora e, como o apartamento não era muito grande, decidiram que só teriam uma diarista para limpá-lo duas vezes por semana. Maria se sentia um pouco sozinha mas estava tudo bem. Melhor ficar sozinha do que ter a companhia de Rute e ela logo se adaptou, especialmente porque o prédio não tinha escadas, apenas elevador. O pai perguntou o que ela queria, já que o condomínio não admitia gatos e cães e ela disse que queria ir à loja de animais ver o que podia ter. Há um bom tempo, os pais estavam fazendo todas suas vontades e a menina suspeitava que eles se sentiam culpados por não terem acreditado nela quando ela tentara dizer que Rute era má.

Assim, os pais deram a Maria um aquário com peixes coloridos e o pai, que tinha um amigo que trabalhava em laboratório, conseguiu um rato branco para que ela criasse como animal de estimação, dando-lhe como presente quando ela completou dez anos. Maria, que adorava animais, imediatamente caiu de amores pelo bichinho. Os pais não precisavam se incomodar pois ela cuidava dos animais de estimação já que os amava e os tinha como seus melhores amigos. Ela só não queria criar pássaros em gaiolas.

-Será que algum dia poderei ter um gato, papai?

-Não sei, querida. De certa forma, um gato não daria certo com um rato.

-Tem razão.

Os pais ainda se preocupavam porque Maria continuava tendo sérios pesadelos e faziam perguntas ao terapeuta, que lhes disse:

-Ela tem o tempo dela de recuperação. Precisam ter paciência. Maria passou por um sério trauma por causa do que a irmã fez.

A mãe caiu em lágrimas e o pai falou:

-Eu já disse que se pudesse, perderia uma perna. Muito melhor do que ter uma filha assim. Ela está em tratamento mas não sei se um dia ela irá melhorar.

-Tudo é imprevisível. Respondeu o terapeuta.

Assim, eles foram levando a vida. Maria estava indo muito bem na escola, fazendo amigos porém evitava dizer que tinha uma irmã e os pais a colocaram para fazer natação, o que ela adorou. Nadar lhe fazia muito bem.

Uma tarde de domingo, Maria via televisão no seu quarto e sentiu vontade de ir à cozinha pedir a mãe mais um pedaço de bolo quando ouviu que os pais conversavam e se escondeu, apreensiva, pois escutou o nome de Rute. A mãe chorava;

-Que pecado tão grande cometemos para ter uma filha que, ainda tão pequena, é capaz de mentir de forma tão maldosa e matar? A Maria foi a mais prejudicada nesta história.

-Não sei, meu amor, não sei. Eu perguntei isso ao doutor que a está tratando e ele disse que isso é um mistério. Espero que ela não seja uma psicopata. Pior é saber que há crianças capazes disso. Depois que li um livro escrito por um especialista, fiquei tão desesperançado. E agora, ela está em um estado de catatonia, parece que não reage a nada.

Aturdida, Maria voltou para seu quarto e, pegando numa caixa, tirou de dentro dela uma fotografia de Rute bebê, lembrando de quando Rute nascera. Ela era então uma menina muito pequena, mas lembrava relativamente bem dos pais levando Rute bebê para casa. Olhou bem para a foto, para o bebê de olhos muito claros que escondiam segredos tão obscuros e uma alma capaz de fazer maldades. Guardou a foto e foi para junto da gaiola do seu rato, abrindo a gaiola e pegando o rato, começando a acariciá-lo.

-A Rute engana muito bem, Chiquinho. Ela engana muito bem. Mas eu sei quem ela é e do que ela é capaz. A mim, ela não engana e nunca vai enganar.

Depois de acariciar o rato por mais um tempo, Maria o colocou novamente na gaiola e deitou na cama, abraçando-se a Priscila, sua boneca preferida, pensando em suas amigas na escola, que às vezes lhe reclamavam dos irmãos por motivos tão bestas. Eles não sabiam a sorte que tinham. Nenhum deles tinha a má sorte de ter uma irmã como Rute. Maria sabia muito bem que Rute não estava catatônica. Aquilo era fingimento. Puro fingimento. Encolheu-se e acabou adormecendo.

Sonhou que estava em sua antiga casa, em frente à porta. Rodeou o jardim. Uma das poucas coisas das quais sentia falta era o belo jardim cheio de gerânios cor-de-rosa e vermelhos. Parou ao ver o tanque. O tanque lhe trazia a lembrança dolorosa do gatinho que Rute matara, afogando-o no tanque. Saiu de perto do tanque e foi entrando na casa.

Ao entrar, estacou ao ver Adriana, em pé, um filete de sangue escorrendo por sua boca, a pele emaciada, manchas roxas ao redor dos olhos e um olhar acusador.

-Você deixou a Rute me matar, Maria! A culpa foi sua!

Maria chorou.

-Não, Adriana, eu não sabia que Rute ia fazer isso!

-Você sabia quem a Rute era! Você devia ter dito a todo mundo!

Apavorada, Maria ia fugir correndo mas viu Rute, os olhos claros brilhando de ódio, o sorriso de pura maldade e segurando uma serpente.

-Oi Maria, oi maninha. Eu vim pegar você. Um dia, você vai pagar pelo que fez.

-Vá embora, Rute!

-Eu vou pegar você, Maria.

Maria se ajoelhou no chão e viu, de um lado, Rute com uma cobra nos braços e do outro, Adriana, parecendo uma morta-viva de filme de terror. Ela sabia que estava perdida para sempre.

-Não!!!

-Maria, o que foi, querida?

-Abra os olhos, Maria!

Maria abriu os olhos e viu os pais ao seu lado. Ela disse:

-Pai, mãe, a Rute vai me pegar, sei que vai! Ela está com ódio porque eu fiz todos saberem quem ela é!

O pai a abraçou.

-Não, querida. Isso foi só um pesadelo, certo? Rute não vai lhe fazer mal nenhum.

-E Adriana está com raiva. Foi por minha culpa que Rute a matou.

A mãe enxugou uma lágrima e falou:

-Maria, nada disso foi culpa sua. Não havia nada que você pudesse fazer. Como você poderia saber? Vamos passear um pouco?

Maria concordou e foi passear um pouco com os pais no playground do prédio, onde ficou até quase anoitecer. Depois, os três jantaram juntos, conversando sobre coisas amenas.

Porém, à noite, ao dormir, Maria se ajoelhou e rezou, pedindo para não ter pesadelos com Rute aquela noite. Não queria que seus pais ficassem ainda mais preocupados. Desde que eles haviam descoberto quem realmente era Rute, estavam sendo ótimos pais.

NOTA: Este conto é apenas uma pequena continuação de Algo errado com Rute, mostrando a tentativa de Maria e seus pais de terem uma vida normal.