Homem ridículo
Os pobres de espírito que me desculpem, mas dinheiro não traz infelicidade, dizia meu avô, o velho Francisco. Que Deus o tenha em algum posto importante lá no Céu, junto de minha avó Madalena. Meus avós eram riquíssimos; se existisse o adjetivo eram seriam milionaríssimos.
Mas eles eram mesmo fazendeiros dos áureos tempos do café no Vale do Paraíba. Não moravam na sede da fazenda, onde apenas passavam algumas temporadas. Habitavam uma imensa mansão aqui na cidade, uma casa tão grande que tomava muito tempo atravessá-la inteira, chegar até o sótão, por exemplo.
Era uma habitação tão grande, enorme, que uma vez, na década de 1970, quando eu era bem criança, ao caminhar do quintal da casa, quer dizer, da área de lazer, em direção ao meu quarto de hóspede, comecei num ano e lá cheguei somente no ano seguinte.
Saí da área de lazer, onde todos estavam reunidos festivamente ao lado da enorme piscina do vovô, numa noite de 31 de dezembro em seus estertores, e só cheguei ao meu quarto nos primeiros minutos de 01 de janeiro do ano seguinte.
Foram vários minutos caminhando por corredores e escadas até chegar ao quinto andar da mansão, onde estavam os quartos dos hóspedes. Cheguei bem cansado no meu quarto, mesmo tendo feito algumas paradas durante a longa caminhada pelos corredores e a subida.
É que no quarto estavam as caixinhas de estalinhos, buscapés e traques que eu pretendia estourar em seguida, no meio dos convidados, mas tinha me esquecido de levá-las comigo para baixo. Afinal, era a noite de Ano-Novo.
Mas era tudo sempre a mesma coisa, comidas, bebidas, fogos de artifício, música alegre, gente pulando na piscina com roupa e tudo, extravagâncias, enfim. Só que como era somente uma vez por ano que isso acontecia, parecia tudo diferente. Mas não, logo tudo viraria ano velho de novo.
Como já falei, meus avós Francisco e Madalena eram riquíssimos. Mas também eram ridículos porque aquela casa tão grande e tão alta tinha enormes escadas, muitos quartos e banheiros, janelões, sacadas e corredores, mas não tinha elevadores. Acho que meus avós não gostavam muito de modernidade, preferiam ostentação à antiga...
Eles morreram num acidente há vários anos já, e seus restos mortais encontram-se num grandioso mausoléu no cemitério da Consolação. Na época ficamos inconsoláveis por alguns dias, mas depois passou porque o inventário foi complexo e longo, tomou muita atenção, dinheiro e tempo nosso.
Meus pais herdaram a mansão, que está vazia desde o acidente, embora lá trabalhem cerca de dez funcionários que serviam meus avós e permanecem contratados cuidando da limpeza e manutenção da área toda, além do que à noite dois guardas contratados fazem a vigilância do terreno e da mansão.
Eu herdarei a propriedade um dia, já sei disso desde pequeno, porque meu avô me segurando em seu colo e apontando para a mansão e suas instalações mais de uma vez disse: “Tudo isso um dia será seu.” E quando isso acontecer, tudo virá abaixo e se transformará em muito dinheiro.
Coisa que meus pais já deviam ter feito há tempos, mas não fizeram até agora. Tudo bem: não seria por isso que eu deixaria de continuar com nossa tradição familiar. A de permanecer acreditando e sempre repetir a máxima que meu avô dizia do alto de sua sabedoria: dinheiro não traz infelicidade. Nunca.
Sou um homem simples, como devem ter percebido, então sempre que me perguntam se sou rico, respondo simplesmente que não. Que não sou rico, que sou é ridículo. Combina com minha história, esta. O que deveriam me perguntar, de fato, é se sou milionário, isso sim. Aí então poderíamos conversar mais assertivamente. O papo seria outro, a história também...