"A HIPOCONDRÍACA" Conto de: Flávio Cavalcante
A HIPOCONDRÍACA
Conto de:
Flávio Cavalcante
Em um mundo onde a informação flui livremente pelas redes sociais e onde a medicina evolui a passos largos, surge uma nova figura: o hipocondríaco contemporâneo. Não aquele retratado em filmes antigos, que consultava obsessivamente a enciclopédia médica familiar, mas sim aquele que pesquisa incansavelmente seus sintomas no Google e tem uma farmácia caseira que rivaliza com muitas farmácias de bairro.
Conheci Marta em uma dessas interações casuais que a vida nos proporciona. Era uma mulher encantadora, inteligente e cheia de energia. Mas por trás do seu sorriso cativante, havia uma sombra constante de preocupação. Marta era uma hipocondríaca moderna, mestre na arte de antecipar diagnósticos antes mesmo de visitar um médico.
O apartamento de Marta era como uma extensão da farmácia local. Prateleiras repletas de frascos de comprimidos de todas as cores e tamanhos imagináveis. Ela conhecia a composição de cada um deles, assim como seus possíveis efeitos colaterais. Na mesa de centro da sala, revistas médicas se misturavam a notas de consultas e exames já realizados.
Em nossas conversas, Marta compartilhava comigo suas últimas descobertas sobre doenças raras e sintomas incomuns. Para ela, cada dor de cabeça era um aneurisma iminente, cada pontada no peito, um infarto prestes a acontecer. Eu tentava acalmá-la, reforçando a importância de consultas regulares com profissionais da saúde, mas era como tentar conter uma maré com as mãos.
Um dia, Marta me revelou que não conseguia mais viver sem a sensação de controle que seus remédios lhe proporcionavam. Eles eram sua âncora em meio ao mar de incertezas que sua mente criava. O que começara como uma busca por respostas e cuidado consigo mesma havia se transformado em uma dependência silenciosa.
A história de Marta não é única. Em um mundo onde a saúde e a doença são temas constantes nas conversas cotidianas, é fácil se perder na busca pela perfeição e pela segurança absoluta. O acesso à informação é valioso, mas também pode ser uma faca de dois gumes para aqueles que têm dificuldade em separar o normal do patológico.
Às vezes, a melhor prescrição não está em uma pílula, mas sim em um olhar compassivo, em ouvir sem julgamentos e em incentivar hábitos saudáveis. A jornada de Marta é um lembrete de que, além das ciências médicas, a empatia e o autocuidado são fundamentais para uma vida equilibrada e plena.
FLÁVIO CAVALCANTE