O Cafezal

Em uma vasta plantação de café, um menino negro de 15 anos, cujos olhos falavam mais do que qualquer palavra, se movia em meio aos arbustos carregados de frutos vermelhos. Ele era mudo, mas não precisava de voz para se fazer entender. Seu sorriso, raro e tímido, escondia uma vida de sofrimento e solidão. Seus olhos, no entanto, eram cheios de mensagens, o reflexo de uma dor que apenas ele e os outros escravos conheciam. Ali, no cafezal, o silêncio era quase absoluto. Os sons que preenchiam o ar eram apenas os das enxadas cortando a terra, das pás levantando o pó, das foices ceifando os ramos, e dos cestos se enchendo de grãos. A barreira da língua ainda piorava a comunicação, pois propositalmente colocavam vários grupos étnicos juntos para não se comunicarem. Ali, no cafezal, havia povos do Benin, Togo, Nigéria, e Camarões, das tribos Iorubás, Fons, Ewés, e os povos de língua Ewe. Não havia necessidade de palavras, de expressões forçadas, de risos que não vinham da alma. Entre os escravos, os rostos eram tristes, os corpos curvados pela exaustão, mas ninguém precisava explicar o porquê. Eles não sorriam, não falavam, não choravam; só sentiam e só estavam...

Sua mãe tinha vindo do Congo, trazida como uma mercadoria, já grávida dele. Ela não sobreviveu ao parto, e ele nunca conheceu o calor de um abraço materno, nem o som de uma canção de ninar. Cresceu na senzala, amamentado por outras escravas que, ao amamentá-lo, lembravam-se dos filhos que perderam para as correntes do tráfico. Desde que se entendia por gente, aquele era seu mundo: o trabalho incessante, o calor sufocante, o chicote que estalava como trovão, e o olhar vigilante dos feitores. Ele nunca tinha sentido o cheiro de café pronto. Não sabia que aqueles grãos que colhia com as mãos calejadas, dia após dia, eram torrados na grande casa branca para criar a bebida que os senhores tanto apreciavam. Para ele, o café era apenas trabalho, cansaço, dor. E, no entanto, havia uma estranha dignidade na sua labuta silenciosa, uma resistência invisível que ele carregava sem nem mesmo perceber. Às vezes, um escravo mais velho desabava, derrotado pela exaustão e pelo calor. Quando isso acontecia, o trabalho parava por um instante, e o silêncio se tornava ainda mais pesado. Ninguém falava, ninguém chorava; apenas o som áspero do corpo sendo arrastado pela terra, como se fosse mais uma pedra a ser retirada do caminho. Ele via esses corpos serem levados, seus olhos acompanhando o movimento com uma expressão que era quase de alívio. Melhor morrer no campo, onde o céu ainda podia ser visto, do que na fervilhante sala das moedas, onde o ar se tornava um inimigo e o calor, um carrasco. O menino pensava no que seria daquela alma que deixava o corpo, se iria encontrar paz em algum lugar longe dali, ou se ficaria vagando pelos cafezais, presa ao solo que tanto regou com suor e sangue. Ele olhava para o horizonte, onde o sol se punha em chamas de laranja e vermelho, e sentia uma tristeza profunda, como se toda a tristeza do mundo estivesse contida naquele instante, naquele silêncio. Mas havia uma coisa que lhe dava consolo, uma coisa que ele amava mais do que tudo: o vento. Quando o vento soprava pelo cafezal, carregando consigo o aroma do café que ele tanto adorava, era como se o mundo ao seu redor desaparecesse. Para ele, aquele cheiro vinha do próprio vento. Na sua imaginação, o vento era uma entidade viva, um espírito bondoso que passava pelos campos para lhe trazer um sopro de liberdade. O aroma do café era o sinal de que esse espírito estava perto, e, por um breve momento, ele podia esquecer o peso de sua existência e imaginar que era livre. À noite, de volta à senzala, ele se deitava no chão de terra batida e olhava para o teto escuro. Os outros escravos dormiam, mas ele ficava acordado, ouvindo os sussurros do vento lá fora. Não havia muito para se sonhar. Seus sonhos, quando vinham, eram nebulosos e distantes, como se fossem memórias de outra vida que ele nunca teve. Às vezes, sonhava com sua mãe, uma sombra sem rosto, cantando uma melodia suave que ele nunca ouviu, mas que ainda assim conhecia. Cada manhã era uma repetição da anterior. Ele acordava antes do amanhecer, caminhava até o campo, pegava sua enxada e começava a trabalhar. Seu corpo era jovem, mas seus movimentos eram de um velho, curvado pelo peso de uma vida que mal começara, mas que já parecia longa demais. Ele não sabia o que era o futuro. Nunca lhe ensinaram a esperar por algo melhor, apenas a sobreviver ao dia seguinte. Os outros escravos olhavam para ele com um misto de pena e admiração. Em seu silêncio, ele parecia ter encontrado uma maneira de suportar tudo aquilo, uma forma de estar presente sem realmente estar. Quando ele sorria, o que era raro, seus olhos brilhavam com uma luz que ninguém conseguia explicar. Era como se ele soubesse de algo que os outros não sabiam, algo além da dor e do trabalho. E assim, o menino seguia, mudo, mas não em silêncio. Seu sorriso, seus olhos, seu jeito de andar falavam de um mundo interior que os feitores nunca poderiam tocar, de uma alma que, mesmo acorrentada, ainda era livre. Mas tudo mudou numa manhã em que o feitor decidiu levá-los até a grande casa branca, onde os grãos de café eram preparados. Era uma ocasião rara, pois os escravos do campo quase nunca entravam na casa. Apenas os mais fortes e saudáveis eram escolhidos para ajudar a carregar os sacos de café que seriam torrados e moídos, um trabalho que exigia muito esforço. Enquanto ele ajudava a carregar um saco pesado para dentro da sala de torrefação, o aroma familiar do café pronto encheu seus sentidos. De repente, o menino percebeu o que nunca havia ligado: o cheiro que ele amava tanto, o cheiro que lhe trazia uma sensação de conforto e liberdade, vinha das frutas que ele mesmo colhia com tanto sofrimento. Ele parou, perplexo, com os olhos arregalados, incapaz de processar essa descoberta. Ele olhou ao redor, observando os escravos trabalhando freneticamente, seus corpos curvados sob o peso dos sacos de grãos. Viu o grande forno onde os grãos eram torrados, o calor intenso que irradiava do metal quente, e finalmente compreendeu. Aquelas frutas vermelhas, que ele colhia com as mãos calejadas e machucadas, eram a origem daquele aroma que tanto o confortava. O choque da descoberta fez seu coração acelerar. Aquilo que ele havia associado com uma sensação de liberdade e paz era, na verdade, fruto de sua própria dor e sofrimento. A liberdade que ele sentia no aroma do café era uma ilusão, um paradoxo amargo que agora o atingia com força total. O café, que ele tanto sonhara em provar, era o resultado direto de seu trabalho árduo e das lágrimas de todos os seus companheiros. Com o coração pesado, ele continuou a carregar os sacos, agora com um entendimento novo e doloroso. Aquele cheiro, que antes era um símbolo de algo bom e inalcançável, transformou-se numa lembrança amarga de sua realidade. O vento, que ele sempre acreditou trazer o cheiro de uma liberdade distante, agora se revelava como um mensageiro da própria servidão. A liberdade que o aroma lhe prometia era uma mentira; ele agora sabia que o conforto que o cheiro do café proporcionava vinha à custa de suas mãos feridas e de seus sonhos quebrados, confrontando-o com a realidade de sua existência. Assim, o menino mudo se calou.

Barbosa Thiago
Enviado por Barbosa Thiago em 31/08/2024
Reeditado em 02/10/2024
Código do texto: T8141206
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