Sacrifício
Próximo do final da aula, o professor Camargo começou a devolver aos alunos as provas corrigidas com as devidas notas. Em sua grande maioria elas eram ruins, quase todas abaixo de 5,0. Desanimado com tudo, magistério e salário, aproveitou o momento para dar uma bronca na classe:
“Dediquei quase 20 anos de minha vida aos estudos até me formar professor, sempre preparei minhas aulas com muito cuidado e atenção, faço pesquisas em livros e em sites sérios da internet, frequento congressos e simpósios para me manter atualizado, estava até mesmo pensando em fazer mestrado e tudo mais e vejam o resultado do meu esforço durante esses anos todos. Deu em muito pouco, quase nada...”
Então deu uma parada para tomar fôlego e depois continuou:
“Na verdade, posso dizer que mais do que esforço faço um grande sacrifício para transmitir conhecimento a vocês e o resultado não vem compensando. A vida de um professor de escola pública é isso, um enorme sacrifício e a recompensa, de qualquer ângulo que se olhe, não compensa.”
Aí, o Wilkinson, um aluno do fundão, e é voz corrente que os adolescentes bagunceiros e candidatos a marginais sempre se sentam no fundo da classe mesmo, e que havia tirado nota 3,0 na prova recente, resolveu se manifestar. E até que ele foi educado:
“Tudo bem, professor Camargo. Mas acho que você está exagerando. E muito, ainda por cima, quando fala de sacrifício. Pois eu conheço alguém que se sacrificou muito mais do que qualquer professor desta escola, qualquer professor de qualquer parte do mundo, na verdade, nunca ganhou salário algum de governo algum, muito pelo contrário e ainda teve um enorme prejuízo familiar.”
Tanto o professor quanto a classe ficaram curiosos, querendo saber então quem era ou foi esse verdadeiro herói, que pelo jeito somente o Wilkinson conhecia.
Em seguida ele esclareceu seu pensamento:
“Pois parem um pouco e pensem em Nosso Senhor. Para redimir os homens, homens e mulheres quero dizer, Deus enviou seu único filho à Terra e em retribuição o que fizeram com ele? O crucificaram. Isso sim foi sacrifício, do pai que ficou sem o filho e do filho que acabou na cruz. Mas o professor Camargo ainda está aqui, vivinho da silva, e pela cara dele já passou dos 33 anos faz tempo.”
Alguém, sendo professor de escola pública, aguentaria ouvir isso permanecendo quieto, sem ao menos esboçar uma resposta mesmo em pensamento? O professor Camargo, que tinha idade mais do que suficiente para ser pai do Wilkinson, mas que não tinha filhos e nem casado era, ainda tinha pai e mãe vivos, aguentou e ficou em silêncio até que a campainha da escola anunciou o final da aula.
No buraco quente onde Wilkinson morava, outros estudantes também, não muito distante da escola, quem não aguentasse ouvir certas coisas ditas pelos moradores, verdadeiras ou não, para seu próprio bem dali seria melhor que se mudasse para sempre. Antes que alguém o enviasse, muito antes dos 33 anos à presença do Senhor um dia desses. Ou do Diabo, quem sabe...