O diálogo dos imortais

Galileu e Aristóteles encontraram-se para mais um de seus encontros regulares, um privilégio que apenas aqueles que ultrapassaram as barreiras do tempo poderiam experimentar.

Sentados à beira de uma montanha em algum ponto indefinido entre o céu e a terra, contemplavam o cosmos.

— Vejamos, meu caro Aristóteles — começou Galileu, girando em suas mãos um telescópio imaginário — você que passou sua vida afirmando que a Terra era o centro do universo. Como explica agora este mar de estrelas em expansão? Não lhe parece que eu estava certo o tempo todo?

Aristóteles, com sua habitual calma, acariciava sua longa barba. Ele nunca era rápido em responder, gostava de deixar que as palavras se assentassem no ar.

— Ah, Galileu, meu jovem amigo, tu e tua impetuosidade. A Terra, o centro... Sim, pode ser que eu tenha errado na precisão, mas veja — ele apontou para o infinito com elegância — a beleza do universo é que ele não tem um centro. Cada um de nós é, por um momento, o centro de algo maior. Não importa se a Terra gira ou não, o importante é que giramos.

Galileu soltou uma gargalhada, aquela gargalhada que sempre vinha antes de uma provocação.

— Estás a filosofar como de costume! Mas, convenhamos, um erro é um erro. E erros, meu caro, não giram. Ficam onde estão, cravados na história!

Aristóteles o olhou com um sorriso de quem sabe mais do que diz. Estava pronto para devolver a provocação.

— Um erro, Galileu? Ora, o erro é apenas uma etapa da verdade. Vê, se eu não tivesse errado, tu não terias acertado. Sou, por assim dizer, o pedestal da tua grandeza. És bem-vindo!

Galileu parou por um segundo, pegou o telescópio e olhou para o horizonte, como se procurasse a resposta nas estrelas. Então, sorrindo, respondeu:

— Aristóteles, parece que, mesmo na eternidade, continuas habilidoso com as palavras. Talvez, afinal, o centro do universo seja o teu discurso. Porque, de onde quer que estejamos, sempre acabamos orbitando tuas ideias.

Aristóteles riu, um riso tranquilo, e concluiu:

— E tu, meu amigo, és o telescópio que me permite ver além. Sem ti, quem sabe quanto mais tempo eu teria passado a observar o céu, sem notar o que estava bem debaixo dos meus pés. E assim, os dois sábios continuaram sua conversa, conscientes de que, na eternidade, o importante não era estar certo ou errado, mas desfrutar da viagem cósmica juntos, como dois grandes amigos que, ao invés de orbitarem o universo, orbitavam mutualmente.

E quanto ao centro do universo? Ah, isso continuaria em aberto, até que algum outro imortal se juntasse à conversa.

José Freire Pontes
Enviado por José Freire Pontes em 24/08/2024
Código do texto: T8136173
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