A casa dos loucos Autor: Davy F. Almeida
A casa dos loucos
Autor: Davy F. Almeida
Três homens loucos vivem próximos em uma colonia agricola em
Calamuchita, Argentina. Cada um deles vive em torno de sua
lembranças do passado que os atormentam. Eles compartilham
momentos de total lucidez e loucura total. Na verdade a vida
desses homens estavam juntas no passado quando eles
sobreviveram a segunda guerra mundial. Eles eram soldados
alemães que fugiram para para o interior da Argentina após o fim
da guerra. Cada um deles conta seus sonhos, medos e lembranças.
Eles falam sozinhos e juntos ao mesmo tempo. Choram quando
lembram que todos os seus familiares morrerem na guerra. A
história deles é ligada.
Antes da guerra os três se casaram juntos no mesmo dia e na
mesma igreja com três irmãs Cristina, Eva e Clara. Johannes
sonhava em ser pastor luterano, Heinrich Grönningen sonhava em
ser engenheiro mecânico e Günther (nome que significa
guerreiro) pensava em ser comerciante. Quando foram convocados
pelo governo alemão para a guerra Johannes tinha 19 anos,
Heinrich 21 anos e Günther 25 anos de idade. Ao findar a guerra
eles ficam tristes e fogem para a Argentina. Nenhum deles quer
mais viver na Alemanha porque todos os seus parentes, amigos e
familiares morreram. Compram um fazenda no interior da
Argentina onde começam a plantar trigo e uva. Contudo, as
lembranças da guerra os torna doentes mentais. Também devido
ao fato das lembranças do sofrimento da guerra não conseguem
mais se relacionar afetivamente. Günther ouve vozes e choro de
crianças alemãs morrendo na guerra. Ouve a voz de sua mãe e sua
mulher grávida o chamando pedindo ajuda. Ouve o barulho dos
aviões de guerra. Ele sempre visualiza um bebê ensanguentado em
sua cama. No fim, Günther mata seus amigos pensando estar em
combate contra os russos já durante a ocupação da Alemanha
pelos aliados. Ferem se mutualmente e morrem.
A Casa dos loucos
Em meio a uma batalha noturna, soldados conversam em alemão:
“ traga as armas de reserva, traga munição, traga remédios”
Günther era o responsável pela logística. Os russos já estavam no
território alemão. Estava chovendo. Estava frio. Apenas sussurros
e barulhos de metralhadoras. Günther se lembra de quando se
casou. Lembra se dos sermões que ouvia na igreja luterana quando
criança. Seu pai era pastor luterano. Tudo era bonito antes. Tudo
era esperança. Agora tudo é morte e destruição. Havia fome por
causa da guerra. A gente pensa que está sofrendo até o dia em que
seu país entra em guerra. Então você vê o que é sofrimento de
verdade. Um soldado cantava baixinho o hino Castelo forte escrito
por Martinho Lutero.
Ein' feste burg ist unser Gott
ein' gute wehr und waffen;
er hilft uns frei aus aller not,
die uns jetzt hat betroffen.
Der alt' böse feind;
mit ernst er's jetzt meint,
Gross macht und viel list
sein' grausam' rüstung ist,
auf erd' ist nicht seinsgleichen.
(........)
Quando percebem todos estão cantando juntos. Günther se lembra
do órgão de tubos da igreja que sempre acompanhava os hinos. Os
três amigos se casaram no mesmo dia com três moças que eram
irmãs. O novo governo trouxe era esperança ao povo. Novos
símbolos. Um governo forte. Levantou a auto estima do povo. Um
país que fora derrotadona primeira grande guerra. Um país que
fora humilhado pelo tratado de Versalhes. O tratado de versalhes
era o tratado dos ladrões. Os alemães foram roubados, expoliados
por ingleses, americanos e franceses. Os ingleses mantiveram seus
vastos impérios coloniais. O império anglo-americano vencera.
Desta vez, ele estavam de pé novamente. Deutschland Erwache!
Era o lema. O governo iniciado em 1933 era um governo forte.
Não havia mais desemprego. Todos apoiavam o governo. Havia o
apoia da estupidez e da ignorância. Todos tinham esperança. Ela é
última que morre.
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Depois de seis anos de guerra. A esperança se
transformou em sofrimento, sangue e destruição. A União
Soviética lutava ao lado dos americanos e britânicos. Não havia
mais para onde correr. Para onde eles iriam depois da guerra? O
que seria de suas vidas? Será que suas esposas, filhos e parentes
estavam vivos? Não havia noticias. Havia pesados bombardeios
em Dresden. Günther não mais queria viver ali. Não queria se
lembrar que ali passou a infância. Que ali um dia fora feliz. A
escola onde estudou agora era entulho. A igreja fora bombardeada.
Apenas escombros de sua vida. Tudo era escombros. Se eles não
tiveram piedade, os russos não teriam também. Stálin já havia
planejado anexar toma a Alemanha oriental e também todo a
Berlim oriental. Espólio de guerra. Ninguém sabia. ninguém
imaginava que iria acabar assim.
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Porque a guerra é fácil no papel,
no planejar, na teoria. A prática da guerra é outra coisa. Guerra a
gente sabe como começa como acaba, ninguém imagina. De
repente, um clarão. Pesado bombardeio. Acordaram no hospital da
cruz vermelha. A guerra estava no fim. Foram atrás de seus
familiares quando saíram do hospital. Não havia mais nada.
Morreu pai, mãe, irmãos, filhos, esposa, cachorro e gato. Não
havia mais cidade. E agora? Qual motivo tenho eu para morar
aqui? Qual motivo tenho para viver aqui? Günther ouvira falar
muito da Argentina. País de clima agradável. Vale calamuchita.
Foram para o porto de Hamburgo. Tomaram um navio. Passaram
pelo Brasil. Passaram pelo Uruguai. Chegaram a Argentina.
Na viagem apenas flashes pelas cabeças deles. Lembranças da
guerra. Lembranças do passado. Günther se lembra quando
ganhou de seu pai sua primeira bicicleta. Quando fez a primeiro
comunhão na igreja luterana. Da primeira namorada. No dia do
seu casamento a igreja estava bonita. De como era bonito os
desfiles militares do novo governo. Com bandeiras. Desfile com
pompas, com armas. Mostrando força. Poder. Macheza. Valentia.
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Homens fortes, jovens e bonitos. Prontos para morrer. Para
defender a pátria. O ego estava nas alturas. O país que inventou o
automóvel e o motor de combustão interna. O país da engenharia.
Os mestres da mecânica. O país de Göethe e Leibniz. Era um país
dominado pela cegueira da ignorância. Que lutar contra impérios
coloniais não era tão fácil assim. Tudo aquilo era conversa de
politico. Babaquice de patriotismo. Estupidez. Agora o povo
percebia que ouviram a voz de um homem desequilibrado.
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O vale calamuchita é um lugar bonito. As serras de Córdoba.
Florestas de coníferas, lagos. Belíssimas montanhas. Naquela
época a cidade de Villa General Belgrano estava começando. Já
era um centro de imigração com o trabalho de Antônio Küfer.
Aquela cidade já era famosa por causa dos marinheiros do
encouraçado Graf Spee. Vale Calamuchita. Lugar que cura o
coração. Beleza para os olhos, remédio para a alma.
Com uma pensão que recebiam do governo alemão começaram a
trabalhar na agricultura, principalmente cultivo da uva.
Günther era um homem bonito e chamava a atenção das mulheres.
Ele era um homem sofrido. Não podia fazer ninguém feliz. Seu
coração era mágoa, ódio e rancor. Tinha remorso de tudo o que
fizera. Ele sabia que era um desequilibrado mental. Um ex soldado
de guerra maluco. Um morto vivo. um fantasma da guerra. Tinha
no corpo e na mente as marcas da guerra. Ouvia as vozes dos
mortos. Via sua mulher o chamando. Ouvia o choro de uma
criança. Casamento não mais. Queria viver para o trabalho. O
trabalho ocupa a mente. Ele trabalhava muito. O trabalho e o
estudo fazem parte do caráter daquele povo.
Mestres dos motores. Seus amigos abriram uma oficina para
concertar tratores agrícolas.
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Sempre tinha um bebê chorando em sua cama. Talvez estivesse
com fome. Talvez precisa de cuidados. Talvez precisa trocar as
fraldas. Quando ele ia se aproximando da criança havia um sangue
que dela escorria e manchava seu lençol. O bebê tinha um buraco
na cabeça feito por um tiro de metralhadora. Era seu filho morto.
Morto pela guerra. Morto por causa de uma guerra politica. Que
toda guerra é politica. Não havia bebê algum. Não havia choro
algum. O que havia eram lembranças. O que havia era o tormento
do passado. “ passado saía da minha cabeça! Me deixe em paz!
Tirem esta criança suja de minha cama! Porque esta sujando meu
lençol com sangue? Isto nunca aconteceu! Foi um pesadelo! Só
isso.” como não lembrar da comida que nossa mãe fazia? Como
não lembrar de como ela era carinhosa. Que mãe é sempre a
melhor pessoa do mundo. A guerra a matou. Fato politico. Guerra
por colonias. Guerra pelo domínio dos povos. Povo dinheiro.
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O que tinha sua mãe haver com aquilo? Porque a mataram? O que
tinha ele haver com aqueles militares? Ela fazia doces. Fazia torta
de maçã. Ela fazia chucrute. Ela fazia com pouco dinheiro. Agora
ele pensava no que era a pátria. O que é a pátria. A pátria é um fato
politico. Não era a Argentina sua nova pátria? Pela primeira vez
sentiu nojo ter nascido alemão. Nem queria olhar na bandeira de
seu país. Que a pátria é uma invenção politica e a guerra não é
algo humano. É algo politico. É algo tecnológico. Empresas de
armas e tecnologia ganham dinheiro com guerras. A guerra não é
uma simples briga de bar. É algo arquitetado por cientistas. A
guerra é engenharia. É usar a ciência para o mal. Qual o resultado
disso? Talvez fosse melhor ter morrido na guerra. Ele trabalhava
muito, mas só o trabalho não preenche totalmente a alma humana.
O que é que preencha a alma humana? Se a vida na terra é apenas
a luta pela sobrevivência. Por que anda o ser humano atrás de
coisas tão grandes? Impérios. Ir a lua. Ir a marte. Dinheiro. Poder.
Guerra. Domínio. Se a vida humana é tão pequena. Durante o dia
o que fazemos? Acordamos e lavamos o rosto. Tomamos café.
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Vamos estudar ou trabalhar. Escovar os dentes. Ir ao banheiro e
fazer as necessidades fisiológicas. Tomar banho. Somos seres
medíocres. Carne, osso e arrogância. Não ficamos mais que doze
horas acordados em um dia. Vamos dormir. Fracotes. Quase
metade da nossa vida é dormir. É cima de uma cama e de um
colchão. Farelo. Farrapos. O que temos é ganância. Queremos ter
tudo o que nos vem a mente. O que nos vem aos olhos. Nossos
ancestrais eram canibais. Seres primitivos. Australopitecos. Não
chamem os humanos de homo sapiens. Talvez a música preencha a
alma humana. Talvez a religião. Que tudo aqui é ilusão. Talvez o
amor. O que é o amor? É o amor o instinto de procriação? Existe
amor sem o sexo? É o amor o desejo de ter alguém do seu lado,
para não ficar sozinho. Não. Isso é medo da solidão. Isso não é
amor. É o ser humano capaz de amar sem nenhum interesse. Eu
duvido. Porque isto não é humano. O amor não é humano. Talvez
seja para anjos, para os que nunca tiveram um corpo. Você ama
seus filhos ou você teve eles apenas para satisfazer seu desejo
particular de ser mãe? Para satisfazer seu ego de mulher?
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Para satisfazer sua vaidade? Para satisfazer seu extinto de
sobrevivência e procriação? Vaidade. Mostrar seu bebê para suas
amigas. Vaidade. Nada além disso. Tudo isso ele pensava. Que
lixo é o ser humano. Que bosta é o mundo. Feliz quem nunca
nasceu. A raça humana não merece sequer existir.
Seis anos de guerra deixa qualquer um louco. Günther estava em
sua casa quando ouviu barulho de passos. Ouviu pessoas falando
em russo. Eram russos entrando em sua casa para mata lo. Pegou
sua Luger P08, na qual estava escrito “ si vis pacem, para bellum”
atirou sem dó nos soldados russos. “ morram malditos, para o
inferno.” eram seus amigos que queriam visitá lo. Os amigos dele
pensaram que Günther era um ladrão qualquer que estava na casa
e também atiraram nele. Günther ferido na barriga se deu conta do
mal que fizera. Ele sangrava muito. Ele sabia que era o fim. Na
verdade sua vida acabou com a guerra. Seu corpo e apenas ele foi
morar na Argentina. Ele era uma fantasma da guerra. Iria agora
encontrar com os seus. Ele apenas queria vê los novamente.
Era uma quarta feira dia 09 de maio de 1945.
FIM