PERDI A PAZ

As palavras pronunciadas por uma criança inocente têm um peso extremamente significativo, mormente e mais ainda se ela for sua neta. Sábado passado minha netinha de apenas quatro anos, que brincava com os pais e eventualmente me fazia participar das brincadeiras, repentinamente parou a atividade, olhou bem nos meus olhos e disse uma frase que certamente jamais poderia vir dela, talvez se originasse do além imaginado, de algum portal transcendental. Sei que parece absurdo, mas que outra explicação encontraria?

Calei-me engolindo em seco e sem argumento, o coração acelerado, quase gaguejei quando tentei articular algo com vistas a não ficar totalmente em silêncio. Ela se referiu a um fato ocorrido há vinte anos, época em que os pais dela ainda não tinham visto um ao outro, ninguém imaginaria que ambos um dia casariam e a gerariam. Como ela saberia de um acontecimento de outrora, do conflito entre mim e uma antiga namorada?

Consegui me recompor, sussurrei qualquer coisa engraçada para desviar a atenção, precisava redirecionar o foco da criança para a atividade lúdico, escancarar ainda mais a porta do passado não me faria bem. Malgrado isso, tudo havia sido resolvido, já estava nos conformes, esmiuçar águas de ontem seria constrangedor. Apesar do meu mutismo sobre o assunto, mesmo sem desejar, fiquei remoendo o imbróglio esses dias todos. Por que de repente aquilo voltou ao presente na voz ingênua de uma criança? Ainda haveria algo a ser reparado? Em assim sendo, era possível consertar linhas tortas? Agora perdi a paz.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 19/08/2024
Código do texto: T8132190
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