ALGUNS CONTOS DE TIRAR O FÔLEGO
ECOS DO DESESPERO
Aqueles gritos alucinantes ecoaram por toda a sala, Pedro não sabia mais o que fazer, sua voz rouca não mais fluía a plenos pulmões, as forças se esgotaram. "Não! Não! Não!" - um apelo que ia morrendo naquele imenso salão. Ecos iam ressoando e infernizando a mente desse homem, esse "não" era escutado um atrás do outro e não saía de sua boca. Deitado, sentia o chão frio, ainda segurava uma arma de fogo, suas mãos estavam ensangüentadas, seus miolos foram estourados com um único tiro na fronte. Alguns minutos se passaram e ele ali, estático, não entendendo bem o que acontecera, não sentia dor alguma, confuso tentou levantar-se, não conseguiu, parecia preso ao piso frio como gelo. Uma luz tênue ali existia e aos poucos ela foi sumindo até chegar a escuridão total. O que teria acontecido com esse personagem? É o que vamos saber na seqüência.
No jardim Pedro aguardava a chegada da esposa, ela trabalhava como enfermeira em um hospital da cidade, seu plantão terminaria às sete da manhã e já eram oito e quinze, nada dela chegar. Estava inconformado com a vida que levava, não tinha emprego certo e vivia mais de biscaites junto com dois filhos, ainda menores, praticamente sustentados por Nalva. Bebia sempre que tinha um trocado no bolso, confiava no salário da esposa, mas desconfiava do seu procedimento lá fora, achava que estava sendo traído e isso era motivo de constantes discussões. Passara a noite sem pregar os olhos, arquitetava um plano macabro para por fim a essa situação que muito o incomodava. Enfim Nalva chegou e estacionou o carro na frente de casa, planejava sair para resolver algum assunto, por isso não colocou o veículo na garagem. Com um sorriso cumprimentou o marido, beijou sua face e entrou apressada.
Depois do banho seguiu para a sala e estranhou a mesa do café da manhã não estar posta, coisa que ele geralmente fazia, mas nesse dia se negou, sua mente estava muito perturbada e resolveu esperar sua mulher para uma conversa. Foi mais uma duscussão de casal, os ânimos se acirraram e Pedro a esbofeteou fazendo-a cair. Puxou a arma que levava na cintura e atirou três vezes contra a esposa, um dos disparos atingiu sua cabeça. Os filhos acordaram assustados e presenciaram a última cena quando o pai atirou contra a própria cabeça. O desespero foi total e os vizinhos tomados de surpresa com os estampidos, após verificarem o ocorrido acionaram a Polícia.
Pedro continuava tentando levantar-se, o chão não estava tão frio, o cheiro de sangue o indomodava, passou a mão na cabeça e sentiu o rombo que nela existia, pedaços de miolos vieram junto com seus dedos, inquietou-se, queria gritar mas a voz não saía. O estranho lugar onde se encontrava começou a se transformar, ficava mais quente e ele viu fogo ali por perto. Apavorou-se nesse instante, surgiu uma criatura medonha, tinha chifres e disse para ele: "Bem vindo ao inferno!"
(Publicado em 12/10/2019)
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O BAILE FANTASMA
Nelma desligou o telefone aparentemente nervosa, a noite já se aproximava e ela já se preparava para um bom banho, trocaria de roupa e aguardaria a chegada do namorado para irem a um baile de formatura de uma amiga sua que aconteceria em um badalado clube da cidade. Após o banho ela sentou-se no sofá da sala e perdeu-se em pensamentos, estava intrigada com a argumentação de Fred quando lhe disse que talvez não fosse ao baile, mas prometeu que logo após o jantar estaria com ela para conversarem e decidir se iria ou não a essa festa tão esperada.
A noite caiu rápido e Nelma nem se apressou em jantar, preferiu esperar o namorado para saber na realidade o que ele pretendia. Esse baile era imperdível para ela, fizera mil planos com as amigas para se divertirem até o amanhecer, nada a impediria de ir. Quase deitada no sofá viu através da janela a lua se esconder atrás de uma nuvem escura, estranhamente seus olhos brilharam e ela sorriu como se aquilo fosse um motivo de satisfação.
Enfim chegou seu namorado, elegantemente vestido tirou-a do sofá, ela que já estava dentro de um chic vestido longo na cor vermelha esbanjando um belo sorriso levantou-se e o acompanhou até o carro. Olhou discretamente para o relógio de parede que existia na sala, eram pouco mais de 22:00 h. e a essa hora a festa já estaria acontecendo. Preocupada pediu que Fred acelerasse para que chegassem logo ao clube. Não demorou muito e lá estavam, apresentou os convites na entrada e se dirigiram ao salão que estava totalmente às escuras, o que a deixou surpresa. Imaginou ser a hora da valsa, pensou também que já pudesse ser meia-noite e a dança teria início, lamentando ter chegado atrasada.
Uma nuvem branca de fumaça, daquela que vemos em shows de cantores, surgiu na frente de Nelma, ela procurou Fred e não encontrou, há poucos minutos segurava a mão dele e agora se via sozinha. A fumaça foi se dissipando aos poucos e ela pôde vislumbrar no salão figuras esquisitas em evoluções que em nada se assemelhavam a qualquer tipo de dança, muito menos uma valsa. No local destinado a orquestra ela viu esqueletos que encenavam um ritual fantasmagórico, uma música desconhecida era entoada e no salão criaturas em forma de zumbis começavam a dançar, aos pares seguiam o ritmo da música nada agradável aos seus ouvidos. Procurou insistentemente pelo namorado, em vão buscou em todo o local achar Fred, nada dele. Seu ombro foi tocado por u'a mão fria e um grito histérico saiu de sua garganta. Aqueles convidados ora dançando ali não passavam de fantasmas, alguns com trajes esfarrapados, outros bem vestidos, porém lembrando vampiros com seus ternos pretos. Novamente um grito histérico fugiu de sua garganta, momento em que Nelma se viu em seu sofá sendo acordada pelo namorado que acabara de chegar.
(Publicado em 31/03/2020)
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O PIANO
Sentei no banquinho em frente ao piano e olhei as teclas, parecia mesmo um convite para iniciar alguns toques. Olhei ao redor, um imenso salão completamente vazio com móveis rústicos, minhas mãos trêmulas e os dedos em movimentos como a querer que eu os impulsionasse até as teclas. Queriam entoar alguma música que levasse prazer aos ouvidos.
Uma leve rajada de vento entrou por uma janela aberta fazendo com que as cortinas esvoaçassem. Silêncio ali naquele ambiente estranho para mim, senti um imenso prazer por estar diante de uma suntuosidade jamais vista por meus olhos, aquilo era gratificante, mesmo sozinho naquela imensa sala eu me sentia como se estivesse acompanhado, essa era minha impressão.
Acenderam-se luzes e tudo ficou bem mais claro do que já estava, me surpreendi, principalmente quando o piano começou a emitir sons melodiosos, era entoada a música "Moonlight Sonata" do famoso Beethoven. Imaginei minhas mãos tocando essa música, na realidade ninguém tocava, muito menos eu, mas as teclas se movimentavam numa precisão impressionante. Toda a sala foi inundada pela melodia tocada no piano, durou alguns minutos e ao final aplausos, vindos de onde não sei dizer, me vi como o pianista aplaudido.
(Publicado em 04/04/2020)