As cores que ninguém vê
Carlinhos era um garoto de dez anos apaixonado por desenho, seu melhor amigo era o bloco, que andava com ele para cima e para baixo. Os pais também sempre o estimularam e notaram que o que Carlinhos mais gostava de desenhar eram roupas, primeiro copiava os figurinos que via na televisão, os desenhos animados eram seus preferidos, conforme o tempo foi passando, começou a criar suas próprias roupas e a receber elogios das pessoas.
Um fato porém, marcou a vida de Carlinhos
- Mãe, queria saber sua opinião sobre essa saia marrom, não sei se ela é muito comprida, vê o que você acha.
E mostra um desenho para a mãe
- Querido, essa saia é vermelha, você deve estar se confundindo.
- Mãe, acho que quem está se confundindo é a senhora, essa saia é claramente marrom. Acho que já tá precisando de óculos.
- Não, meu amor, eu enxergo perfeitamente. Você realmente tá vendo essa saia marrom?
- Sim, para mim ela é marrom, não há dúvidas.
- Tá, vamos fazer alguns testes.
Mostra algumas cores
- Que cor é essa?
- Cinza.
- Não, meu amor, esse é o verde.
-Tá falando sério?
- Sim.
- Será que eu tenho algum problema?
- Você pode ser daltônico, mas isso só um profissional vai poder nos afirmar. Vou marcar uma consulta com um oftalmologista para segunda bem cedo.
Após a consulta, ficou comprovado que Carlinhos era daltônico, e o menino volta chorando para casa.
- Quer dizer que todos os meu desenhos eram mentira? Como eu vou ser um estilista algum dia se nem as cores eu enxergo direito?
- Calma, meu amor. Se esse é realmente seu sonho, a gente vai dar um jeito.
Carlinhos foi crescendo e com a ajuda da mãe e do pai não parou de desenhar, até que surgiu um concurso, quem ganhasse seria estagiário de um estilista renomado, teria um figurino em seu desfile, e um prêmio em dinheiro, ou seja, o sonho de Carlinhos.
- Mas mãe, isso é para quem já tem experiência, eu só faço uns desenhos, e ainda tem aquele problema.
- Meu filho, você tem muito talento, e eu não sou só eu que te digo, nem só o seu pai, você sabe disso, e para de falar que seu daltonismo é um problema, ele faz parte de você, de quem você é, e você não é só isso, ok?
- Ainda assim, eu não tô preparado para isso.
- Claro que tá, você tá é com medo, isso sim!
- Não vamos mais falar disso, ok?
- Mas meu filho...
- Não tem mais, por favor.
Carlinhos, que agora gostava de ser chamado de Carlos, já tinha 18 anos, estava na idade de escolher qual vestibular queria prestar. Sua escola tinha vários cursos extracurriculares e ele fazia um de corte e costura, e sua professora, também dava aula de desenho de moda em uma renomada faculdade. Tereza acabou se tornando uma amiga e confidente, Carlos era seu aluno mais antigo e aplicado, era o único homem na aula de poucas mulheres.
- Pois eu acho que você deveria se inscrever nesse concurso sim.
- Mas Tereza, é um concurso nacional, imagina o tanto de gente talentosa e normal vai participar?
- E quem disse que você também não é talentoso, e principalmente, que você também não é normal? Inclusive, essa é uma forma muito pesada de você se referir a si mesmo, eu já falei isso com você.
- Você entendeu o que eu quis dizer.
- Eu entendo uma coisa, que eu tenho um aluno muito talentoso que está perdendo uma grande oportunidade simplesmente por medo. Eu sei que você pensa que o daltonismo te limita, mas eu, pelo que te conheço, penso exatamente o contrário, isso te faz ainda mais especial.
- Você acha que eu realmente tenho chance?
- Acho não, tenho certeza.
Carlos voltou pra casa pensando nisso, quando entrou, viu a mãe com uma cara de quem tinha aprontando alguma coisa.
- O que foi que você me olhando com essa cara estranha?
- Espero que você não fiquei bravo comigo, mas eu realmente acho que você deve ser dar essa oportunidade.
- O que você fez, mãe?
- Adivinha!
- Me inscreveu no concurso né?
- Como você sabe?
- Por que eu te conheço, dona Sandra, eu te conheço.
- E você não tá com raiva de mim?
- Sabe que não? Tava realmente pensando nisso voltando pra casa.
- Sério, meu filho?
- Seríssimo, conversei com a Tereza e ela me abriu a mente para algumas coisas.
- Só a Tereza pra te fazer mudar de ideia né?
- Por acaso a senhora tá com ciúmes?
- Jamais, confio no meu taco. Você saiu daqui ó.
Diz, apontando para a barriga.
O concurso era composto por várias etapas, Carlos realmente se jogou e se dedicou integralmente em cada uma delas, superou suas dificuldades e com todo o suporte dos pais, conseguiu chegar até a última etapa.
O último desafio era montar uma apresentação e um croqui com uma sugestão de figurino para a principal modelo da companhia usar no último desfile, ou seja, além de pensar nas referências, desenhar o modelo, ainda teria que montar uma apresentação e o pior, em sua opinião, defender na frente do tal estilista.
Carlos respirou fundo, pegou as informações que a organização do concurso passou para os dez finalistas, e se jogou de cabeça, ficou trancado por dias, seu quarto estava um caos, papéis espalhados nas paredes, no chão, ele mal dormia. Depois de muito pesquisar, pensar, desenhar, Carlos finalmente ficou satisfeito com o resultado do seu trabalho.
Ao mostrar a apresentação e seu trabalho para a Tereza, ela foi enfática
- Carlos, isso está genial.
- Sério mesmo?
- Carlos, eu realmente acho que você tem muita chance de levar esse prêmio. Você tem conceito, e conseguiu aplicá-lo perfeitamente no seu desenho, sua apresentação tá incrível, parabéns!
- Calma, Tereza, eu ainda não ganhei nada.
- Eu sei, tô te dando parabéns pelo seu trabalho, sua dedicação, e pelo resultado incrível que você alcançou.
O dia da grande final havia chegado, Carlos estava muito nervoso, mas decidiu confiar na sua proposta.
- Eu sou daltônico, então para mim, algumas cores são diferentes do que são para o resto das pessoas, então, a proposta que eu pensei é justamente sobre isso, peças que a princípio são uma coisa, mas na verdade são outras, sem abrir mão do conforto e da elegância...
Foi assim que Carlos começou sua apresentação, e terminou aplaudido de pé.
O estilista então, após todas as apresentações e de muito conversar com sua equipe, se levanta para anunciar o vencedor.
- Eu montei esse concurso para descobrir novos talentos, e talento para mim é você ouvir o eu propósito apesar do mundo dizer o contrário, o que não é fácil. Hoje aqui eu enxerguei vários talentos, mas somente um me lembrou um jovem estilista que mal tinha dinheiro para comprar uma agulha, mas decidiu ouvir o seu propósito, e hoje está aqui olhando para vocês. Carlos, obrigada por compartilhar sua linda história conosco, você aceita trabalhar comigo?
E assim Carlos é conhecido e reconhecido como um jovem talento da moda, ganha destaque na mídia, visibilidade, sucesso.
- Eu nunca duvidei que você chegaria lá, meu filho.
- É, mãe, você nunca duvidou, e principalmente, nunca me deixou duvidar.
E assim finalmente Carlos começa a entender que o que ele achava ser sua grande fraqueza, era sua maior força.