GIUSTINO

Giustino entrou no cartório decidido. Seus passos eram firmes, mas o olhar, carregado de uma inquietação que o acompanhava há anos. O nome, aquele nome que parecia tão imponente, tão carregado de significado, era agora um fardo que ele não queria mais carregar.

Ao chegar ao balcão, foi atendido por um funcionário de olhar cansado, desses que parecem ter visto de tudo na vida. O crachá pendurado na camisa amassada dizia "Cláudio"."Bom dia, posso ajudar?" Cláudio perguntou sem muito entusiasmo, enquanto digitava algo no computador."Quero trocar meu nome," Giustino respondeu de forma direta, sem rodeios.Cláudio levantou os olhos do monitor e o encarou por um momento, como se estivesse avaliando a seriedade daquela solicitação."Trocar o nome? Isso é algo que não se faz todo dia. Qual é o seu nome atual?""Giustino," ele disse, e quase pôde ver um brilho de curiosidade nos olhos do funcionário."Giustino… Nome raro. Sabe que significa 'justo', certo?" Cláudio comentou, esboçando um leve sorriso. "É um nome bonito.""Bonito talvez, mas não faz sentido," Giustino rebateu. "Vivemos num mundo onde justiça é palavra bonita nos discursos, mas escassa nas ruas.

Esse nome nunca combinou com a realidade em que eu vivo."Cláudio parou de digitar. Ficou em silêncio por um instante, processando as palavras. "Entendo sua frustração, mas… mudar de nome é algo sério. Por que exatamente você quer fazer isso?"Giustino respirou fundo, como se estivesse prestes a desabafar algo que há muito o sufocava. "Quando nasci, meus pais me deram esse nome com a esperança de que eu seria alguém justo, que faria a diferença. Mas, ao longo dos anos, percebi que a justiça é uma moeda de troca, algo moldável conforme os interesses de quem detém o poder. O justo, o verdadeiro justo, quase nunca vence.

É pisoteado, abafado por leis que favorecem poucos e castigam muitos. É difícil carregar esse nome num mundo onde a injustiça é a regra."Cláudio ouviu com atenção. Era raro ver alguém expressar tanta amargura de forma tão eloquente. "Mas você não acha que pode ser justamente por isso que deve manter o nome? Um símbolo, talvez, de que a justiça ainda tem lugar, mesmo que não prevaleça sempre?"

Giustino balançou a cabeça, com um sorriso triste. "Isso é o que eu me dizia antes, mas a verdade é que esse nome pesa. Cada vez que alguém me chama, lembro das vezes em que a justiça falhou comigo, com minha família, com pessoas que eu conheço. É como se fosse uma ironia cruel. Eu, Giustino, aquele que devia ser justo, assistindo impotente enquanto a injustiça corrói tudo ao redor."Cláudio refletiu sobre aquelas palavras. Ele também tinha suas próprias desilusões, mas as escondia atrás de uma fachada profissional. "E qual nome você gostaria de adotar?""Qualquer um que não me lembre disso," Giustino respondeu, exasperado. "Um nome que seja neutro, que não carregue expectativas que nunca poderei cumprir."O funcionário do cartório assentiu lentamente. "Entendo sua dor, mas me pergunto: mudando de nome, você vai conseguir se livrar dessa sensação? Ou o problema é mais profundo?"

Giustino mordeu o lábio inferior, pensativo. "Talvez você tenha razão. Mas pelo menos, sem esse nome, posso começar a viver sem a cobrança constante de algo que não existe. Talvez seja uma fuga, sim. Mas é a fuga que eu preciso agora."Cláudio suspirou. "Bom, o processo para mudar de nome não é simples, mas é possível. Vou te orientar como proceder."

Ele fez uma pausa antes de acrescentar, com uma voz mais suave, quase compreensiva: "Eu espero que, com ou sem esse nome, você encontre a paz que está buscando."Giustino acenou com a cabeça, agradecido. Ele sabia que aquela troca de nome não resolveria todos os seus problemas, mas era um passo.

Um gesto de rebeldia silenciosa contra um mundo que parecia rir do significado por trás de sua identidade. Um nome novo não mudaria o mundo, mas talvez mudasse um pouco o peso em seus ombros.E assim, Giustino saiu do cartório, um pouco mais leve, mas com a certeza de que a luta por justiça, mesmo que interna, ainda estava longe de acabar.