O Menino David

David nasceu em um vilarejo pequeno, cercado por montanhas verdejantes e rios cristalinos. Seu pai, Rodrigo, era um cirurgião renomado, conhecido por sua habilidade e dedicação. Sua mãe, Leonor, era uma mulher de coração generoso e mente brilhante, sempre envolvida em projetos comunitários e educativos.

O dia exato do nascimento de David era um mistério, mas muitos acreditavam que ele nascera no dia 29 de setembro, data em que se celebrava uma festa local em homenagem ao padroeiro da cidade. Nesse dia, o vilarejo se enchia de alegria, com música, danças e comidas típicas, e era uma data que sempre trazia boas lembranças para todos.

 

Desde pequeno, David mostrava sinais de ser um garoto especial. Tinha uma curiosidade insaciável e um coração repleto de empatia. Passava horas observando seu pai em ação, auxiliando as pessoas com suas habilidades médicas. Rodrigo, com paciência e amor, explicava a David cada procedimento, cada cura, cada vida salva.

Leonor, por sua vez, inspirava David com suas histórias sobre as pessoas do vilarejo e suas lutas. Ela o ensinava sobre a importância da compaixão e da solidariedade, valores que David absorvia com entusiasmo. Ele acompanhava a mãe em suas visitas às casas das pessoas necessitadas, aprendendo a importância de ajudar e cuidar do próximo.

 

Certa vez, durante uma dessas visitas, David encontrou um velho livro de poesias na casa de uma senhora idosa. Fascinado, pediu à mãe que o deixasse levar o livro emprestado. Leonor, sempre incentivando a leitura e o aprendizado, concordou. David passou noites inteiras lendo aquelas poesias, sentindo cada palavra tocar seu coração jovem e sensível. Com o passar dos anos, David se tornou um jovem talentoso e dedicado. Na escola, ele se apaixonou por uma linda moça chamada Sofia. Ela era gentil, inteligente e tinha um sorriso que iluminava qualquer ambiente. Inspirado por seus sentimentos, David escreveu quatro poesias de valor para Sofia, expressando o amor e a admiração que sentia por ela. Eles trocavam além de confidencias, carinho os fazendo sonharem com planos para o futuro.

 

Mas, em um dia de verão, a vida de David tomou um rumo inesperado. Rodrigo foi aprovado em um concurso para trabalhar em uma grande hospital em outra cidade. A notícia trouxe entusiasmo e um novo desafio para a família, mas para David, significava deixar para trás tudo o que ele conhecia e amava, inclusive Sofia. Ele ficou triste com a mudança iminente. Na última semana antes de se mudarem, ele entregou quatro poesias a Sofia, esperando que ela entendesse a profundidade de seus sentimentos. Eles prometeram manter contato e continuar sua amizade, mas ambos sabiam que a distância tornaria tudo mais difícil.

 

A nova cidade era grande e movimentada, um contraste acentuado com o vilarejo tranquilo onde David crescera. Ele se sentia um pouco perdido, mas sabia que precisava se adaptar. Com o apoio de seus pais, ele começou a frequentar uma nova escola, onde lentamente fez novos amigos e se envolveu em atividades acadêmicas e culturais.

David nunca se esqueceu de Sofia e de suas poesias. Ele continuava a escrever, canalizando seus sentimentos e experiências na nova cidade em suas palavras. A poesia se tornou seu refúgio, uma maneira de lidar com a saudade e os desafios da nova vida.

 

Com o tempo, David encontrou seu lugar na nova cidade. Ele decidiu seguir os passos de seu pai e estudar medicina, mas nunca deixou de lado seu amor pela poesia e nem por aquela jovem que ficou no pequeno vilarejo. Cada poema que escrevia era uma homenagem à sua infância, ao local que deixou para trás, e ao amor que sentiu por Sofia.

 

Já na faculdade de medicina, David se tornou um aluno excepcional. Todos os professores admiravam a dedicação daquele rapaz. Ele se destacava não apenas por seu conhecimento técnico, mas também por sua empatia e capacidade de ouvir e compreender os pacientes. David acreditava que a medicina era uma arte, e cada paciente, uma poesia viva. Durante sua residência médica, David auxiliou diversos cirurgiões em operações complicadas e se mostrou um cirurgião nato. Sua habilidade e calma sob pressão impressionavam a todos ao seu redor. Ele estudava cada caso minuciosamente, combinando seu conhecimento técnico com um profundo respeito pela vida humana.

Seu talento e dedicação não passaram despercebidos. Logo, David recebeu um convite para ser nomeado diretor-adjunto da ala de cirurgia de um grande hospital da cidade. Foi uma honra que ele aceitou com humildade, ciente da grande responsabilidade que vinha com o cargo.

 

Como diretor-adjunto, David implementou novas práticas e protocolos que melhoraram a eficiência e a qualidade do atendimento. Ele também investiu em programas de treinamento para jovens médicos, compartilhando com eles os valores que havia aprendido com seus pais: a importância da empatia, do cuidado e do amor pelo próximo.

Apesar de seu sucesso profissional, David nunca deixou de lado sua paixão pela poesia. Continuava a escrever, muitas vezes inspirando em suas lembranças do passado. A poesia era sua forma de conectar a arte da medicina com a arte de viver, lembrando a todos que cada vida era uma história única e valiosa.

 

No dia 29 de setembro, David sempre dedicava um momento para escrever um poema especial, celebrando não apenas a festa local, mas também a jornada que havia trilhado. Com seu coração repleto dos ensinamentos de seus pais e sua mente cheia de sonhos e esperança, David estava pronto para continuar fazendo a diferença no mundo, levando consigo a herança de amor, empatia e dedicação que havia recebido. Davi vivia uma vida de grandes responsabilidades e conquistas, mas seu coração carregava um segredo que poucos conheciam, o amor que ainda nutria pela jovem de sua mocidade. Apesar das cobranças constantes de seus pais sobre casamento e família, Davi encontrava refúgio em sua casa e no hospital, onde dedicava seus dias e noites aos pacientes.

 

Na tranquilidade de sua casa, à noite, quando o silêncio imperava, Davi dava vida a sentimentos profundos e intensos através da escrita de poemas. Cada verso era uma homenagem à pessoa especial que ocupava seu coração. Os poemas de Davi eram guardados com carinho em um caderno escondido em sua biblioteca pessoal. Ali, ele se permitia ser vulnerável, expressando toda a gama de emoções que guardava durante o dia. Seus pacientes recebiam seu cuidado e dedicação, mas era em seus escritos que Davi encontrava um espaço para seu amor não revelado.

 

Numa noite tranquila de outono, Davi recebeu um convite para um recital de poesia no teatro municipal da cidade, uma celebração ao lançamento de um livro que reunia obras de vários autores. Para Davi, amante da poesia, era uma oportunidade imperdível de se conectar com sua primeira paixão. Empolgado, ele comprou dois ingressos, decidindo levar sua mãe como companhia. Ela, sempre curiosa sobre os interesses do filho, ficou encantada com o convite e ansiosa para compartilhar essa experiência com ele. No dia do recital, Davi e sua mãe se arrumaram com esmero. Ele vestiu um elegante terno escuro, e sua mãe, um vestido azul que destacava seus olhos brilhantes de expectativa. Juntos, eles se dirigiram ao teatro municipal, um belo edifício de arquitetura clássica que resplandecia sob as luzes da noite.

Ao entrarem, foram recebidos pelo murmúrio suave das conversas e pelo som de uma música clássica tocando ao fundo. O ambiente era acolhedor, com a plateia preenchida por amantes da poesia e amigos dos autores que se apresentariam. Davi e sua mãe encontraram seus lugares e se acomodaram, esperando pelo início do recital. Logo, as luzes se apagaram parcialmente, deixando o palco iluminado. Um apresentador subiu ao palco, dando as boas-vindas a todos e introduzindo os poetas da noite.

 

Cada autor subiu ao palco para recitar suas obras, enchendo o teatro com palavras cheias de emoção e profundidade. Davi sentia cada verso ressoar em seu coração, reconhecendo nas palavras alheias a mesma paixão que ele nutria em segredo. Ao final de cada apresentação, os aplausos ecoavam pelo salão, e Davi e sua mãe trocavam olhares de admiração e entendimento. Durante um dos intervalos, Davi aproveitou para conversar com sua mãe sobre a beleza das poesias que haviam ouvido. Ela, sempre carinhosa e atenciosa, perguntou:

 

— Davi, você sempre amou a poesia, não é? Fico tão feliz de ver você se emocionando assim. Você, quando jovem, escrevia muitos poemas. Certamente, seu trabalho não lhe dá mais tempo de escrever, não é verdade?

 

Davi sorriu, com um brilho especial nos olhos, mas apenas respondeu:

 

— Talvez um dia eu volte a escrever, mãe. Quem sabe?

 

A noite seguiu com mais apresentações emocionantes e Davi, ao lado de sua mãe, viveu momentos de profunda conexão e reflexão. Ele sabia que aquele recital não era apenas uma celebração da poesia, mas também um lembrete de seu próprio amor que um dia sentiu por alguém que o inspirava em seus versos secretos. Chegada a hora da última apresentação, Davi saiu para ir ao toalete. Quando retornou, ele viu no palco uma linda mulher recitando os mais belos versos que havia escutado em sua vida. Ele não conseguiu nem se sentar em sua poltrona, por ficar de pé no corredor central escutando a voz melodiosa daquela intérprete que o fez viajar no tempo. Seus olhos lacrimejavam enquanto ele absorvia cada palavra, cada emoção transmitida pela voz melodiosa daquela mulher. A sala parecia desaparecer, e Davi sentiu-se transportado para um lugar onde apenas ele e a poesia existiam. A força das palavras dela tocava algo profundo dentro dele, despertando sentimentos há muito guardados.

Quando a apresentação terminou, o teatro explodiu em aplausos, mas Davi permaneceu imóvel, ainda perdido na magia do momento. Sua mãe, se aproximou e percebendo a emoção do filho, tocou gentilmente seu braço e sussurrou:

 

— Está tudo bem, Davi?

 

Ele piscou algumas vezes, retornando ao presente, e respondeu com um sorriso emocionado:

 

— Está, mãe. Foi simplesmente… incrível.

 

Determinando-se a descobrir mais sobre a mulher que havia tocado seu coração com sua poesia, Davi aguardou pacientemente enquanto os outros poetas e convidados cumprimentavam os autores no palco. Finalmente, viu a mulher descer do palco e se dirigir a uma pequena mesa onde estava sendo feita a venda dos livros autografados. Ele se aproximou, nervoso e ansioso, e aguardou sua vez na fila. Quando finalmente chegou à frente, olhou nos olhos dela e disse:

 

— Boa noite. Sua apresentação foi... maravilhosa. Nunca ouvi nada tão belo e tocante.

 

A mulher sorriu, visivelmente emocionada pelo elogio sincero e reconhecendo aquele homem que se apresentava elegantemente vestido

.

— Muito obrigado Dr Davi.

 

— Como a senhorita sabe meu nome?

 

— Ora você não esta me reconhecendo Davi? Era Sofia que estava linda. Estava diferente de quando mais jovem e Davi não tinha como a reconhecer.

 

— Desculpe senhorita, mas não estou a reconhecendo.

 

— Eu sou Sofia!

 

— Sofia?

 

— Sim, Davi, sou eu. — Ela respondeu, sorrindo suavemente. — Faz muito tempo, não é?

 

Davi estava sem palavras, seus pensamentos rodopiavam enquanto ele tentava processar a coincidência extraordinária de encontrá-la ali, depois de tantos anos.

 

— Desculpe por não te reconhecer. Você mudou muito e está linda. E suas poesias são maravilhosas. — Ele disse, ainda tentando encontrar o equilíbrio entre a surpresa e a alegria.

 

— Obrigada, Davi. Fico feliz em ver que você se lembra de mim . Você também não lembrou de mais uma coisa.

 

— De que não lembrei ?

 

Sofia respondeu, seu sorriso refletindo a mesma admiração que Davi sentia.

 

— Das poesias.

 

— O que tem elas?

 

— Essas 4 poesias que eu declamei me acompanham desde o dia que você escreveu para mim. Eu nunca esqueci de você Davi e o meu conforto sempre foram esses 4 poemas.

 

Davi ficou perplexo, o coração acelerado. Ele mal conseguia acreditar que Sofia ainda tinha aquelas poesias e que elas haviam sido tão importantes para ela. Com um sorriso que refletia tanto alegria quanto nostalgia, ele disse:

 

— Eu... nem mais lembrava delas e não sabia que aquelas poesias significavam tanto para você, Sofia. Eu também nunca esqueci de você , mas sempre guardei meus sentimentos e versos para mim mesmo.

 

Sofia olhou para Davi com ternura e respondeu:

 

— Davi, suas palavras sempre tocaram meu coração de uma maneira que ninguém mais conseguiu. Elas me ajudaram a passar por momentos difíceis e me lembraram do quanto você sempre foi especial para mim.

 

Nesse momento, Leonor se aproximou, percebendo a emoção no rosto do filho e da jovem mulher. Com um sorriso curioso, ela perguntou:

 

— Davi, quem é essa linda jovem? Davi, ainda sorrindo, e respondeu:

 

—Esta é Sofia, aquela menina que estudava comigo. Leonor abraçou Sofia carinhosamente e disse:

 

— Que maravilha encontrá-la depois de tanto tempo! Davi sempre falou de você com tanto carinho.

 

Os três conversaram por um tempo, relembrando histórias do passado e compartilhando novidades sobre suas vidas. A conexão entre Davi e Sofia era palpável, como se todos os anos de separação não tivessem apagado a profunda ligação que sempre compartilharam. Sofia olhou para Davi com um brilho nos olhos e disse:

 

— Davi, já esta ficando tarde e preciso ir com meus amigos para casa. Eu adoraria ler mais das suas poesias. Quem sabe podemos nos encontrar outra vez para compartilhar nossas histórias e versos?

 

Davi, sentindo uma onda de esperança e alegria, respondeu:

— Eu adoraria, Sofia. Tenho muitas poesias que gostaria de compartilhar com você.

 

Eles trocaram números de telefone e combinaram de se encontrar na semana. Naquela noite, ao voltar para casa, Davi sentia uma nova chama de inspiração dentro de si. Ele sentou-se em sua escrivaninha e começou a escrever um novo poema, desta vez com a certeza de que Sofia estava de volta em sua vida, trazendo consigo não apenas lembranças do passado, mas a promessa de um futuro compartilhado.

 

Muitos anos, e o tempo se fez poeira,

Na memória, ainda ecoa nossa era.

Te vi no palco, e no instante, o passado

Ressurgiu em versos que eu tinha escrito, apaixonado.

 

Eu me lembro daqueles dias, jovens e perdidos,

De promessas feitas em sonhos, prometidos.

Você, Sofia, era a luz do meu olhar,

E eu, um poeta à espera de te amar.

 

Aqueles versos que hoje você recita,

Eram o reflexo de uma alma infinitiva.

Cada palavra, um fragmento de quem fomos,

Cada rima, para um amor que sempre dispomos.

 

O teatro, palco de nossa vida imortal,

Fez-se o cenário de um amor real.

E você ali, testemunha e parte da cena,

De um poema que guardaste, como se fosse uma pena.

 

Muitos anos, e a vida nos fez distantes,

Mas no teatro, encontramos os instantes

Que o tempo não pode apagar ou desfazer,

O amor e as memórias que sempre nos pertencer.

 

Sofia, que a vida seja um poema eterno,

Onde o amor se revela, sincero e terno.

Que os versos que escrevi, e que hoje você leu,

Sejam a prova do amor que sempre foi meu.

 

 

Os dias passaram rapidamente, e finalmente chegou o momento do reencontro. Davi e Sofia se encontraram em um café charmoso, onde conversaram por horas, relembrando momentos especiais e descobrindo novas facetas um do outro.

Sofia também compartilhou suas próprias poesias, revelando a profundidade de seus sentimentos e as experiências que moldaram sua vida desde que se separaram. Davi sentiu-se ainda mais conectado a ela, admirando não apenas sua beleza e inteligência, mas também a paixão e sensibilidade que ela expressava em suas palavras.

A amizade e o amor entre eles floresceram novamente, e Davi percebeu que aquele encontro inesperado era um presente do destino. A presença de Sofia em sua vida trouxe uma nova dimensão à sua poesia e à sua jornada como médico, lembrando-o da importância de manter viva a chama da arte e do amor.

 

Com o passar dos meses, Davi e Sofia se tornaram inseparáveis, compartilhando suas vidas e sonhos. Ele deixou a direção do hospital para poder sobrar mais tempo para se dedicar a Sofia. Eles sabiam que, apesar dos desafios do passado, o futuro estava cheio de possibilidades e aventuras que poderiam enfrentar juntos.

E assim, Davi, como bom médico que era, continuou atender em seu consultório e a escrever suas poesias, inspirado não apenas pelo amor de Sofia, mas também pela certeza de que as palavras têm o poder de transformar vidas, curar corações e criar laços que resistem ao tempo e à distância.

 

Antonio Souto
Enviado por Antonio Souto em 29/07/2024
Reeditado em 29/07/2024
Código do texto: T8117500
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