A lei natural da vida

Era para ser um recomeço. Noemia estava finalmente retomando a sua vida depois de alguns anos de tristezas e decepções amorosas. A separação e depois a viuvez lhe trouxeram longos períodos de solidão. Um antigo colega havia despertado nela um sentimento bom que lhe dava um fôlego novo para recomeçar.

Existia uma parte dela que gostava de ficar sozinha. Nos fins de semana, era comum que ela passasse a tarde toda recolhida em seu quarto, olhando para o teto e respirando o ar que entrava em seus pulmões lembrando-a que estava viva. Mas outra parte de si sentia falta de alguém para compartilhar os momentos felizes e lhe dar abrigo nos dias mais difíceis.

Decidiu dar uma nova chance à vida. Apesar do medo que sentia só em pensar numa nova cirurgia, o cardiologista havia dado o melhor prognóstico possível. Em três ou quatro dias retornaria para casa, sentindo-se como uma mocinha de dezoito anos. Poderia, então, se dar a chance de entregar-se a um novo relacionamento. Mesmo que não fosse uma paixão avassaladora como nos tempos de outrora, poderia ser alguém que oferecesse o seu abraço para ela adormecer e na manhã seguinte acordar aconchegada no calor de seu peito.

Nas semanas que antecederam sua internação, Noemia passou por um período de decidir o que caberia ou não em sua nova vida. Limpou o quarto, esvaziando armários e desfazendo-se de tudo o que não lhe era mais útil. Deixaria apenas o necessário para viver em paz e feliz, nem mais nem menos. O suficiente. Queria tempo para aproveitar as manhãs de sol e sentir o cheiro da terra molhada nas tardes chuvosas de outono. Teria poucos amigos, mas seriam os melhores. Não pouparia beijos, abraços e carinho da família. Para o único filho, continuaria dedicando o amor mais puro e intenso que já havia sentido.

Atravessou a porta da sala e parou perto da velha mãe que estava sentada na cadeira de rodas tentando se aquecer pelos raios de sol da manhã. Beijou-lhe a face e despediu-se. Deus a acompanhe, logo você voltará, não é minha filha? Deus é quem sabe, mãe. Não voltou.

O destino traiu os sonhos da família. Foi um período de silenciosa metamorfose, mas que, ao contrário do colorido das borboletas que surgem ao final do processo, vieram a fragilidade, dor, tristeza, dias nublados e noites de completa escuridão.

A mãe que abençoou a filha naquela manhã, com a esperança de tê-la de volta poucos dias depois, só teve a chance de revê-la uma vez. Titubeou, não estava certa se o seu coração de mãe conseguiria suportar. Acompanhada pela filha mais nova e pelo genro, tomou coragem e foi. Os corredores frios do hospital foram atravessados com o auxílio da cadeira de rodas. Juntas, mãe e filha caçula, seguiam rezando para que Nossa Senhora lhes desse forças de passar por aquele momento.

O amor foi tão forte que a velha mãe conseguiu erguer-se da cadeira de rodas e alcançar a face da filha para um último beijo. Haveria ainda de ter forças para a despedida final, no dia seguinte. Seu coração soube naquele momento que a filha aguardava a sua presença para descansar.

A vida não haveria de ser a mesma. Há reviravoltas do destino que mudam por completo o seu curso. Há estações que chegam para ficar e o frio intenso do inverno parecia ter feito morada em seu coração. O quarto da filha continuava arrumado como ela o deixara. A colcha nova cobrindo a cama e as cortinas brancas que abrandavam a claridade nas manhãs de verão estavam no mesmo lugar. A cômoda arrumada com poucos objetos, só se destacava pela foto do filho que estava num lindo porta-retratos comprado por Noemia tempos antes.

Todas as tardes, a velha mãe se punha a relembrar das histórias que viveram juntas naquela casa. Contentava-se em cheirar as roupas da filha. Era um pouco dela que permaneceu ali, junto com os fios de cabelo na escova de pentear. Ela ficava tão linda neste vestido, lamentava. Meses depois, suas almas se reencontraram. O coração partido de mãe não resistiu ficar distante da filha.

A família encontrou conforto, atendendo ao pedido fervoroso da matriarca. As horas dedicadas à Ave Maria e ao Salmo 91 valeram para proteger a todos, especialmente o neto que permaneceu aqui para dar continuidade ao legado de amor da família.

Os meses se passaram trazendo milagres de novos começos. Era a vida devolvendo a esperança. O universo conspirava a favor da família após um longo período de escuridão. Nada permaneceu como antes, mas tudo se transformou no que deveria ser. Chegou o dia em que o sol despontou no horizonte após um longo período de tempestade e trouxe de volta as cores do arco-íris.

Neusa Maria Cesarino Martins
Enviado por Neusa Maria Cesarino Martins em 29/07/2024
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