A terra que me viu nascer
Florinda Maria despertou naquela manhã com uma sensação de esperança. Era março de 1952 e o inverno já estava se despedindo, mas as manhãs ainda eram frescas. Envolta em um roupão, dirigiu-se ao portão ao perceber a presença de alguém. Era João das Neves, primo de seu marido Manuel, trazendo a tão esperada notícia: a "Carta de chamada" que permitiria à família deixar Portugal para viver legalmente no Brasil. Parentes já estabelecidos no Brasil enviaram a carta com o compromisso de acolher a família em suas casas e garantir um emprego para Manuel.
Um misto de medo e alegria tomou conta do coração da matriarca. Seria uma mudança radical para Manuel, Florinda e seus três filhos: Pedro, com dezessete anos, Rosalina, com treze, e o caçula Joaquim, com apenas seis.
No Porto de Lisboa, após apresentarem-se às autoridades, embarcaram no navio. O caçula viajou clandestinamente, escondido entre as bagagens da família para reduzir os custos. Foram nove dias a bordo do navio Frederico C, enfrentando enjoos e cuidando uns dos outros, especialmente do pequeno Joaquim, para não chamar a atenção dos tripulantes, até desembarcarem no Porto de Santos. A mudança climática foi chocante. Acostumados ao rigoroso inverno europeu, sentiram o calor do sol. Estavam, enfim, pisando em solo brasileiro, no país tropical.
Inicialmente hospedaram-se na casa da tia Estrela em Santos, antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde o primo Zé, que trabalhava na construção civil, conseguiu um emprego para Manuel na produção de fornos para padarias. Seria um começo até que se estabelecessem.
Manuel, acostumado ao trabalho no campo cultivando uva, azeitona, milho, feijão e centeio, sentiu a dureza do trabalho na construção de fornos, com suas altas temperaturas e jornadas de doze horas diárias. A alimentação era simples, com o que Florinda podia preparar: arroz, feijão preto e, com sorte, um pedaço de carne ou linguiça de porco.
Aos domingos, a família se reunia com outros portugueses que, como eles, foram atraídos ao Brasil pela promessa de uma vida mais próspera. Diziam que no Brasil existia a famosa "árvore das patacas", onde bastava balançar os galhos e o dinheiro caía aos montes. No entanto, logo perceberam que a realidade seria bem diferente e que para progredirem, teriam que trabalhar duro.
Um parente com talento para o comércio ficou conhecido como o Português da esquina. Havia construído um prédio com uma espaçosa residência no andar superior e uma padaria no térreo, que ocupava parte do quarteirão. Toda a família trabalhava junto com vários conterrâneos recém-chegados de Portugal. Ao lado, ele ergueu uma série de casas para aluguel, garantindo uma renda adicional. A família seguia a tradição do trabalhador português "pau para toda obra" e, disciplinados que eram, conquistaram também a reputação de "burro de carga".
A adaptação dos filhos de Manuel e Florinda, especialmente os mais velhos que já estudavam, Pedro e Rosalina, foi complicada. Na escola, seus modos de falar e sotaque destoavam dos colegas, o que lhes rendeu alguns apelidos e certa implicância.
Cinco anos se passaram rapidamente e a família havia se estabelecido em São João do Meriti, na Baixada Fluminense. A casa simples, construída por Manuel com a ajuda de parentes e amigos nas folgas e domingos, trouxe mais segurança para a família. Pedro havia se casado com uma brasileira e começou sua vida no comércio no Espírito Santo. Rosalina conheceu Humberto, um homem mais velho que havia vindo de Redinha, Portugal. Seus pais ficaram felizes com o relacionamento, e o casamento de Rosalina aconteceu rapidamente, impulsionado pela notícia de sua gravidez e pelo amor que sentiam.
Amália nasceu sete meses depois, seguida por Benício cinco anos mais tarde, trazendo ainda mais felicidade para a família e especialmente para os avós. Apesar do progresso, Manuel e Florinda nunca puderam retornar a Portugal. Anos de trabalho árduo revelaram que as "árvores das patacas" eram apenas um incentivo. O dinheiro não caía das árvores; era fruto de muito suor e união familiar.
A maior tristeza de Florinda ao longo dos anos foi a saudade dos pais e irmãos deixados em Portugal. Muitos faleceram de velhice ou doença, e as notícias chegavam pelo correio ou através de um conhecido semanas depois dos acontecimentos. Chorava escondida, em frente ao altar de Nossa Senhora de Fátima, pedindo proteção e confiando a alma dos parentes à Mãe Santíssima.
Florinda faleceu aos sessenta anos sem ter tido a chance de retornar a Portugal. Manuel, após a aposentadoria e a viuvez, decidiu aproveitar a oportunidade para voltar à sua terra natal e reencontrar os parentes que lá ainda permaneciam.
Desembarcou do avião em um dia de verão, no mês de julho. Um sobrinho o aguardava no aeroporto para levá-lo até Redinha, não muito longe de Pombal. Os olhos de Manuel se encheram de lágrimas ao abraçar Antônio Neto, a quem conhecia apenas por fotografias enviadas pela irmã caçula, Maria. Achou o sobrinho muito parecido com seu pai, até tinham o mesmo nome. Lembrou-se do último dia em que o viu, ainda jovem, despedindo-se dele com um aceno no Porto, antes de embarcar com a família para o Brasil.
A irmã o esperava em casa, com o jantar pronto: cozido à Portuguesa e, de sobremesa, pastel de Belém, sabendo serem seus preferidos. O abraço dos dois foi apertado, como se Manuel prometesse nunca mais se separar dela. Durante os dias de visita, reviveram todas as recordações da infância no lugar onde nasceram e cresceram. Maria fez questão de levá-lo para rever alguns familiares e amigos que ainda viviam lá.
Todas as manhãs saíam de braços dados, caminhando pelas ruas adornadas com pedras, relembrando a Manuel as experiências mais doces. Passaram pelo rio Anços, uma pequena ribeira de água clara, cuja nascente fica próxima da Redinha, no local conhecido como "Olhos d'Água".
Ao passarem pela Igreja de São Francisco e depois pela Capela da Misericórdia do Louriçal, os irmãos olharam para as torres, ouvindo o som dos sinos e agradeceram a Deus por aquele reencontro. Fizeram o mesmo em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora das Neves.
E as recordações surgiam a todo momento. A Torre do Relógio Velho, um edifício quadrangular de pedra, coroada com ameias chanfradas e um telhado cônico. Suas paredes, adornadas com merlões chanfrados, foram testemunhas de seus segredos na infância, enquanto ele ouvia o badalar dos sinos na capela.
O Castelo de Pombal, com suas extensas muralhas, ainda preserva vestígios da capela de São Miguel, encantando Manuel como na primeira vez que o viu.
Mas nenhuma emoção foi tão intensa e profunda quanto a que Manuel sentiu ao avistar a casa onde morou na infância. Uma construção simples, com paredes amareladas feitas de pedras da região, tinha o telhado adornado com a viçosa rama de uma videira. Uma pequena janela aberta e a porta principal permitiam que os raios de sol penetrassem no interior. Manuel ficou ali parado, imerso no silêncio absoluto de seus pensamentos. Podia visualizar seu pai viúvo e seus irmãos menores dentro da casa, sentir o aroma fresco do café coado no afago do pano pela manhã e o pão quentinho saindo do forno. Ele chorou ao lembrar como o pai havia criado sozinho os cinco filhos após a morte prematura de sua mãe.
Aos domingos, ele vestia os filhos com as melhores roupas que tinham para levá-los à missa. Seu Antônio nunca abria mão disso. Sentia orgulho da união familiar e da educação das crianças.
Durante a semana, levava os pequenos para ajudá-lo na roça, assim estariam protegidos sob o olhar cuidadoso do pai. Manuel, o mais velho, com apenas dez anos, já trabalhava na propriedade de um fazendeiro, cultivando uvas. Seu Antônio o levava bem cedo, escondido dentro de um saco de estopa para que ele não visse o caminho, pois Manuel era arteiro e poderia tentar fugir da fazenda durante o dia para retornar para casa. Antes do anoitecer, voltava para casa da mesma maneira, dentro do saco de estopa.
Lembranças que não saem da cabeça de Manuel, mas que não trazem nenhum tipo de ressentimento. Ele sabia que seu pai era uma pessoa simples, lutava para educar os filhos e nunca deixou que lhes faltasse nada. Manuel apenas lamentava não ter voltado antes para rever o pai e os irmãos, junto com a esposa que não teve a mesma sorte que ele e falecera pouco antes do sonho se realizar.
A casa ainda estava de pé, preservada pela insistência da irmã caçula, que nunca perdeu as esperanças de revê-lo. Ambos sabiam o quanto aquele lugar significava para eles.
Foram semanas maravilhosas e, quando finalmente Manuel se despediu da irmã e dos sobrinhos, o calor do abraço e a promessa de retorno o acompanharam de volta ao Brasil. Apesar da idade avançada, os irmãos mantinham a esperança de novos reencontros. Até lá, teriam as fotografias e as recordações dos momentos que passaram juntos.