Vidente
Anos mais tarde, encontrou o antigo baralho embrulhado no lenço de seda. As cartas, moles e amareladas. Os arcanos pareciam ter perdido o poder, desbotados e rotos. Já não sabiam apontar um destino. Houve um tempo em que eram jovens e lustrosos, transbordando futuros. Tantas vezes os teve entre as mãos, concentrada para escutar as vozes. E respondia às perguntas dos consulentes com uma confiança inabalável. Eles sempre voltavam, recomendavam amigos. Enriquecia, cobrando um preço cada vez mais alto por seus vaticínios. Houve um tempo em que políticos poderosos e empresários podres de ricos procuravam a sua orientação para assuntos públicos e privados. Saíam sempre confiantes, satisfeitos, depois de engordar sua conta bancária. Até aparecer aquela estranha mulher, que nada perguntou, mas ordenou, imperativa, voz baixa "diga-me o que vês". Não conseguiu. As cartas subitamente ficaram mudas, eram personagens estranhos os que tinha diante de si. A mulher disse que viera buscar o dom que lhe fora roubado. Juntou as cartas, embrulhou-as no lenço, e largou-as sobre a mesa, a porta aberta atrás de si. Desde então, fora a ruína e a decadência. Agora, encontrava por acaso as velhas cartas. Depois de tanto tempo ... Teve o irresistível impulso de fazer uma última leitura. A Estrela, a Torre, a Imperatriz, o Enforcado. Uma rajada de vento levou o lenço vermelho. Viu à porta uma mulher que lhe sorria, enigmática. Olhou-a fundo nos olhos, e com autoridade na voz, perguntou "Diga-me agora, o que vês?"