Filho adotivo e Mãe adotada

Foi numa fresca manhã de outono que Bia acordou com um chorinho fraco vindo de algum lugar perto do seu quarto. Levantou-se apressadamente e, intrigada, olhou embaixo da cama para verificar se não era Fafá, sua gatinha que costumava dormir ali. Encontrou a gata aconchegada no cantinho, dormindo profundamente. Então, teve certeza de que não era ela.

Ouviu novamente o chorinho fraco e, ao abrir a porta da varanda, avistou um pequeno caixote na lixeira, envolto em trapos sujos, de onde algo parecia mover-se. Desceu apressadamente a escada para alcançar a lixeira e, para seu desespero, encontrou um bebê recém-nascido, ainda preso ao cordão umbilical.

O instinto materno fez Bia pegar o pequeno no colo e aconchegá-lo junto ao calor de seu peito e às batidas aceleradas de seu coração. O choro cessou. Meu Deus, estaria ele ainda vivo? Foi o pensamento que tomou conta de Bia.

Sua experiência como mãe de três filhos pequenos deu-lhe segurança para cuidar do bebê, e as primeiras providências foram tomadas. Ela o limpou, aqueceu e até tentou amamentá-lo, pois ainda tinha leite materno do filho caçula, de apenas um ano.

Naquele dia, o marido Fabiano não estava em casa; uma viagem a trabalho o deixou ausente deste evento tão inesperado. Ele soube dos fatos logo em seguida, por telefone, e alertou a esposa para comunicar às autoridades competentes. Conhecendo bem o coração amoroso de Bia, ele temia que ela pudesse se envolver em problemas.

Após aquele dia, ganharam um novo filho. Nunca tiveram dúvidas disso. O processo de adoção foi longo e passou por todas as etapas necessárias, realizadas com transparência e segurança, como Bia sempre prezou. Fabiano apoiou sua esposa em tudo.

Batizado com o nome de José, em homenagem ao pai de Bia, que havia falecido um ano antes, o pequeno foi criado com muito amor e carinho, conhecendo a verdade sobre sua adoção. Mas sua mãe nunca mencionou que ele fora encontrado na lixeira. Ela dizia que, numa linda manhã de outono, despertou com o melodioso choro de criança, que mais parecia o canto de um sabiá-laranjeira. Ao olhar pela janela, avistou um lindo bebê numa caixinha de presente, envolto numa macia manta que exalava o mais perfumado aroma. Teve a certeza, era mesmo um presente de Deus, dizia ela ao pequeno.

Prometia a mãe que, quando José crescesse, teria toda a liberdade para procurar seus pais biológicos, se assim desejasse. Por enquanto, bastava saber que sua chegada à família foi motivo de muito amor desde o primeiro momento, e assim seria pelo resto de suas vidas.

Os quatro irmãos se relacionavam bem, embora ocasionalmente houvesse certo ciúme, especialmente porque José tinha suas regalias como irmão caçula.

A mãe gostava de contar ao filho a história de um personagem bíblico, também chamado José, que passou de escravo a governador do Egito. Era sua maneira de dizer que nada é impossível nos planos de Deus.

José cresceu num ambiente tão amoroso que só veio a perguntar sobre seus pais biológicos quando completou dezoito anos. Bia e Fabiano o apoiaram totalmente para que ele os procurasse. Com a ajuda da Internet e das informações sobre sua data de nascimento e o local onde foi encontrado, suas chances de encontrá-los eram boas.

Ele fez isso, e não demorou muito para que uma mulher de idade já avançada, batesse à porta de sua casa, procurando por ele. Justina se apresentou como sua avó biológica.

A história contada por Justina não deixava dúvidas de que poderia ser verdadeira. Ela contou que a mãe de José, Ana, engravidou muito jovem enquanto morava nas ruas de São Paulo. O vício em crack tirou dela todas as perspectivas de futuro. Deixar o filho na porta daquela família foi um gesto de amor, disse a avó. Ana morreu dias depois de dar à luz, vítima de violência, assassinada em um confronto com a polícia.

José confirmou essa história através de reportagens da época, e a certeza veio com o exame de DNA, que foi compatível com o da avó materna.

A partir desse momento, a família adotou mais um membro, Dona Justina. Idosa, com várias comorbidades e sozinha na vida, ela havia criado outros dois filhos que também enfrentaram dificuldades. Um deles estava preso, e o outro havia falecido quase na mesma época que a irmã.

Bia e Fabiano, corações generosos, acolheram Justina e deram a ela o conforto e os cuidados que dariam aos próprios pais, se estes ainda estivessem vivos. Justina passou seus últimos anos desfrutando de tudo o que nunca tivera, principalmente amor e carinho. Partiu aos oitenta e dois anos, serena e amparada pela família que a adotou.

José teve a oportunidade de cultivar laços de amor verdadeiro com sua avó. Conheceu suas origens através do relato dela e teve a certeza de que sua mãe biológica o amou. A maior prova disso foi ela ter escolhido Bia e Fabiano como seus pais adotivos. Ele não tinha dúvidas de que essa conexão ocorreu por uma intervenção divina, como na história bíblica que sua mãe costumava contar.

Neusa Maria Cesarino Martins
Enviado por Neusa Maria Cesarino Martins em 26/07/2024
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