A Escolha da Finitude
Sentado em uma cadeira acolchoada com alguns furos visíveis que saem pelo o estofado a sala com uma luz piscante que alternava em ligado e desligado Antero Lacerda olha para o médico apreensivo sobre o resultado de seu último exame. O doutor com os óculos baixos ler o exame em suas mãos, suspira com um tom de conformismo e diz que Antero agora tem apenas alguns dias de vida. O seu tratamento não tinha surtido efeito contra o câncer agressivo que se espalhava pelo o seu corpo que tinha começado no pâncreas e ele já se encontrava em metástase com poucas chances de sobrevivência. A fala do doutor fora para ele igual uma sentença de morte ele se via com um condenado que ia ser enforcado em uma forca em praça pública naquele instante. Engolia seco o que tinha na garganta, suas mãos trêmulas não paravam, a sua pupila dilatada via tudo com muito espanto e o ar que saia de suas narinas era sufocante.
Mesmo com diagnóstico decidido em mãos o doutor Álvaro Campelo diz que há tratamentos possíveis para a reminiscência da doença, porém custava muito caro para ser feito. Antero ver uma esperança no fim do túnel e se pergunta o porquê de o doutor demorar tanto para dar essa notícia para ele já que o aliviou bastante. O doutor diz que a chance de sobrevida não passava de 20%, no entanto era uma esperança a ser considerada e Antero sai do consultório para o encontro desse tratamento que o doutor havia dito.
Antero Lacerda era um homem de posses que havia ganhado sua fortuna com a pesca, mas não fora a venda de peixes que o tornara milionário como hoje. Se ele vivesse apenas de vender peixes e frutos do mar Antero não havia se tornado o magnata que é e não passaria de um simples peixeiro qualquer. Na verdade ele tinha um outro negócio que era muito lucrativo o contrabando de droga para a Europa onde ele vendia os peixes para o continente recheado de droga. O peixe chegava até o porto de Roterdã e de lá era contrabandeado para toda Europa. Um negócio certo que fez Antero garantir uma vida confortável e cheio de luxo para si. Porém ele já se encontrava com 40 anos de idade e ainda queria viver por muito tempo para usufruir o que a vida tinha de melhor para oferecer junto com os frutos do seu lucro.
Então faz uma decisão decide dobrar o envio de droga agora não somente para a Europa, mas agora para um novo destino onde ele iria lucrar mais, agora ele manda para Cingapura a Meca das drogas uma cidade moderna com pessoas dispostas a comprar mercadoria da melhor qualidade possível, mesmo sabendo dos riscos que corria, decide falar com o homem responsável que lhe fornece. Ele pega o seu carro e vai até o escritório do dito sujeito. Chegando lá Antero se ver diante de um frigorífico com a faixada mal iluminada, pergunta pelo o chefe para os funcionários do estabelecimento e eles o levam para dentro, seguindo um corretor escuro ele apenas ver pessoas trabalhando cortando carnes ainda fresca e ver muito sangue e tripas espalhados pelo o chão. Antero sente um enjoo pelo o cheiro sufocante do lugar e sente um arrepio na coluna por aquela situação. Ele nunca tinha precisado ir até o traficante que ele negociava, mas agora a situação era diferente ele tinha que fazer aquilo e ele é quem o procurava.
No fim do corredor em uma sala pequena e abarrotada de jornais e revistas velhas dos anos 80 e 90, com quadros de kanji ocupando todas as paredes vermelhas da sala ele ver o seu fornecedor. Um homem de meia idade por volta dos 48 anos de idade de ascendência chinesa, ele possuía um bigode fino, um queixo bem avantajado, os olhos pequenos e vívidos e tinha uma calvície aparente na frente da testa, porém tinha um rabo de cavalo curto atrás da sua cabeça. Ele se chamava Jin Liang, mas todos o conheciam mesmo como o Oitavo Imortal, ele adquiriu esse apelido depois que sua gangue que por sinal eram composta por oito chineses que eram tão íntimos que se consideravam irmãos todos serem assassinados por uma outra gangue e somente ele sobreviver a esse massacre.
Dessa forma Antero o convence a fornecer mais drogas e tentar um nova rota de envio para outro país que eles ainda não haviam tentado mandar, porém agora tinham um novo plano para traçar e conquistar novos mercados. Oitavo fornece o novo pedido e manda ele fazer essa viagem o mais rápido possível para que ninguém desconfie. Ele então no outro dia recheia os estômagos dos peixes de droga e envia para Cingapura através do seu contato que ele havia nesse país. Ansioso com o resultado, Antero recebe uma mensagem desagradável que a droga havia sido apreendida com a polícia local e todo seu carregamento tinha sido perdido. O choque da apreensão tinha sido doloroso demais para Antero e ele não acreditava nisso, pois o seu contato havia garantido que a droga chegaria até o destino e não haveria tanta força policial impedindo a entrada da mercadoria, porém resiliente engoliu seco a mensagem e pediu mais drogas. O traficante chinês perguntou pelo o lucro da droga vendida, porém ele disse que deixaria essa com pendência e pagaria essa remessa com o lucro do segundo envio. Oitavo passando a mão no seu bigode ralo questionou se ele sabia qual era as consequências de sua ambição, o alertou mais uma vez e por fim lhe cedeu a droga.
Agora Antero tinha certeza que o seu plano daria certo, não iria destinar o seu envio de drogas para Cingapura, mas iria destinar tudo em direção para Europa já era o destino no qual tinha mais costume mandar e se sentia seguro. Não tinha como dar errado, então no outro dia mandara o seu peixe carregado de droga em uma embarcação estrangeira com a bandeira da Argélia até o porto holandês. A droga havia chegado com sucesso, porém quando caiu nas mãos do chefe local a polícia já havia rastreado e confiscado todo o carregamento. Absolutamente tudo havia sido perdido. Essa era a última cartada de Antero e ele havia arruinado tudo novamente. O vendedor de peixe havia gastado todo seu dinheiro nessa aposta e havia fracassado perdendo todo o seu rendimento com ele. Sabendo das consequências de seus atos e o que um traficante falido perde quando deve ao Oitavo Imortal, ele decide fugir.
Fugindo por sua vida já que devia uma fortuna para o chinês ele também fugia de outro mau que o lhe perseguia que era a sua doença que a cada dia que passava se mostrava mais agressiva o corroendo e o matando por dentro com dores tão agudas e fortes que as vezes ele implorava pelo o fim do seu alívio. Depois de dois meses como fugitivo em uma pequena ilha que ficava em um lago em outra cidade e com seu câncer evoluindo a uma doença terminal. Ele começa a ver a finitude da vida e o que ele deixou como legado. Apenas uma vida regada de luxos, perdições e futilidades. Nada mais que uma vida confortável, porém construída no meio da desgraça para muita gente. Se sustentou através da desgraça e do vício de muitas pessoas que foram esvaídas através de sua carreira no crime.
Porém Antero refletiu se essa era a única contribuição que iria deixar ele poderia ao menos decidir como encerrar a sua existência. Não pedimos para nascer, não decidimos como será o nosso destino, porém podemos decidir como o finalizamos. Depois de refletir essas palavras, Antero lembra de sua infância e lembra como adorava aqueles contos de Mitologia Grega de deuses e heróis divinos e imaginava que os deuses deviam ter muita inveja dos nós mortais que diferente de um deus imortal que vive para sempre os humanos tem experiências únicas, momentos únicos e sentimentos singulares em sua curta vida a sua finitude não é nada para a eternidade do cosmo, quem se lembra dele já não existirá mais em poucos anos e o seu nome será esquecido como mais um nome insignificante de um humano normal sem nenhuma lembrança de quem fora em vida. Pensando dessa forma e convencido de seu ideal ele para diante da água ao redor do seu esconderijo e mergulha para a profundidade do lago escuro e gélido naquela noite. A única coisa que Antero agradece é por não ter deixado descendente que iria carregar o fardo do seu nome sujo pelos seus crimes e assim ao menos se sente lisonjeado por ter escolhido o seu fim.
Davi Freitas - 25/07/2024