Nem todo amor se pode explicar
O comportamento de Samuel não era o mesmo há algum tempo, mas Lúcia preferiu fingir que não percebia. Era melhor não buscar motivos para uma situação para a qual não se sentia preparada para enfrentar. Optou por deixar que o tempo resolvesse as coisas.
Samuel também resistiu a assumir que estava envolvido com outra mulher. Preferiu manter a rotina familiar e encontrar brechas para encontros casuais com Suzi, uma colega de trabalho que fez seu coração bater mais forte novamente.
Essa situação durou um tempo, até que Suzi começou a pressioná-lo por uma decisão. Uma escolha difícil para ele, pois Lúcia era sua companheira de vida desde os tempos da faculdade. Mas, a atração por Suzi era irresistível. Ficou preso em um dilema que o impedia de escolher entre uma ou outra companheira.
Percebendo a indecisão de Samuel, Suzi decidiu agir. Ela fez questão de revelar para a esposa dele o que estava acontecendo. Se Samuel não tomasse a decisão de se separar, Suzi faria isso por ele.
Lúcia começou a receber telefonemas anônimos que logo revelaram ser de Suzi. Ela não se importava mais em esconder a situação e humilhou Lúcia, dizendo-lhe para ser mais cuidadosa com as roupas de Samuel, pois ela apreciava um homem bem arrumado, com camisas bem passadas e cheiroso. Foi um insulto doloroso para Lúcia.
Decidiu confrontar Samuel e colocar tudo em pratos limpos. Estava certa de que, ao pressioná-lo para escolher entre ela e Suzi, ele decidiria pelo casamento deles e pelo bem de Felipinho, único filho do casal, que era adolescente e muito apegado ao pai.
Mas, as certezas nem sempre se concretizam, e Samuel escolheu a amante. Saiu de casa apenas com as roupas do corpo e foi morar com Suzi.
Movida pelo ódio momentâneo e pela revolta, Lúcia tratou de substituir a fechadura do portão como um sinal de que Samuel não tinha mais permissão para entrar em casa sem a sua autorização. Mas ele nunca voltou. Pediu para Lúcia colocar suas roupas em uma mala e avisou que alguém iria buscar.
Enfurecida, Lúcia separou todas as camisas sociais de Samuel, bem passadas e dobradas. Antes de colocá-las na mala, acendeu um cigarro e perfurou cada uma delas com a ponta acesa, como um gesto de vingança.
Depois da raiva inicial, vieram dias de luto e de luta, na tentativa frustrada de trazer Samuel de volta. A dor da separação a fez mergulhar no fundo do poço, humilhando-se de todas as formas, implorando por um gesto de amor, mesmo que fosse por piedade ou consideração pelos anos que viveram juntos e pelo filho que tiveram. Lúcia até apelou para a chantagem emocional, relembrando a Samuel da fase difícil que enfrentaram juntos quando Felipinho, com apenas cinco anos, ficou entre a vida e a morte após um acidente doméstico.
Nada disso adiantou. Samuel casou-se com Suzi e tiveram outro filho, o que desesperou Lúcia.
Os primeiros anos de separação foram difíceis, tanto financeiramente quanto emocionalmente para Lúcia, que não conseguia superar. Apesar da distância física, ela sempre procurava notícias do ex-marido, como se fosse uma obsessão.
Então, um dia, Lúcia soube que Samuel havia perdido o emprego e que Suzi o havia abandonado. Ele estava doente e entregue ao álcool, vivendo sozinho em sua casa sem apoio de ninguém.
Lúcia, como era de se esperar, o procurou, providenciando atendimento médico e ajudando-o a se reerguer, mas mantendo uma relação de amizade. Justo quando tudo parecia melhorar, um acidente de carro alterou novamente o destino de Samuel, deixando-o incapaz de andar e enfrentando outras limitações físicas. E como se isso não bastasse, durante sua reabilitação, ele sofreu um AVC, tornando-se completamente dependente dos cuidados de terceiros.
Lúcia lembrou-se do dia em que ele saiu de casa anos atrás, e ela trocou a fechadura, impedindo-o de voltar. Agora, ele estava retornando para casa, não andando com suas próprias pernas, mas sendo carregado em uma maca.
Os familiares e amigos julgaram Lúcia severamente. Como ela poderia aceitá-lo em casa naquele estado, depois de tudo o que ele havia feito? A resposta nunca veio. O fato é que ela o aceitou e cuidou dele por três longos anos. Passou por dias de calor intenso e noites frias ao seu lado. Acompanhou várias internações, lutou para garantir os melhores cuidados e dedicou-se totalmente para que os últimos anos de Samuel fossem vividos com dignidade.
Lúcia sacrificou uma parte de sua vida por Samuel. Alguns chamaram isso de loucura, insanidade e coisas piores. Outros ainda se perguntam por quê? A resposta ninguém soube responder. Talvez ela mesma não conseguisse entender os motivos. Destino, livre-arbítrio, escolhas, teimosia — palpites não faltaram. Complexidades da vida que nem sempre podem ser explicadas.