Os menos piores da turma
Findo o último módulo de História do Brasil Contemporâneo, trabalhos escritos entregues, lidos e devolvidos aos alunos, o professor Leandro colocou em discussão em sala diversas questões do período estudado. Elas envolviam desde a mudança da capital do pais do Rio de Janeiro para Brasília, o golpe militar de 1964, a ditadura, as eleições diretas para presidente, a Constituição de 1988, o impeachment de Collor, a hiperinflação, o Plano Real, a reeleição aprovada pelo Congresso, a eleição de um líder sindical para a presidência, o governo Dilma e depois o de Temer, a Lava Jato, as duas últimas eleições.
Era muita coisa para ser discutida e para os alunos, que tinham todos nascido no século XXI falar, por exemplo, de Juscelino Kubitschek e o aprofundamento da industrialização do Brasil, principalmente através das montadoras de veículos automotores, parecia uma viagem para um passado muito distante, já que hoje todos estavam falando da popularização dos veículos elétricos e seu impacto em diversos setores da vida, não apenas nos transportes, energia ou economia.
De todo modo, JK saiu bem avaliado pela turma por seu desempenho como um presidente moderno, desenvolvimentista, pela construção de Brasília, por ser um democrata etc. Mas a própria mudança da capital para o Centro-Oeste, pouco povoado, distante da região mais desenvolvida e populosa do país, o Sudeste, assim como sua priorização das rodovias sobre as ferrovias, que mais tarde entraram quase que em completa decadência por aqui, foram fatores considerados negativos de seu governo. Talvez todo o dinheiro empregado na construção da nova capital pudesse ter sido usado de maneira melhor, argumentou Cecília.
Mesmo assim a classe, ou parte dela, considerou que JK e Fernando Henrique Cardoso foram dois presidentes que menos mal fizeram ao Brasil. Lembraram que FHC e Itamar Franco, que substituiu Fernando Collor quando este foi cassado pelo Congresso, foram os responsáveis pelo Plano Real, que controlou a hiperinflação que o país vivia então e deu certa estabilidade econômica para o Brasil.
Mas aí o Estevão lembrou que uma das piores coisas que FHC fez, na visão dele, além de batalhar pela própria reeleição, foi nomear Gilmar Mendes, então ministro da Justiça de seu governo, para o STF. Que Mendes, juntamente com outro ministro da corte, José Antonio Dias Toffoli, nomeado por Lula da Silva, se mostraram dois grandes adversários da operação Lava Jato, que tentou acabar com a corrupção no país, revelada sobretudo no mensalão e no petrolão petistas. Ou ao menos a operação tentou diminuir esse grande mal que atravessa praticamente todas as páginas de nossa história desde os tempos coloniais. Palavras do Estevão.
Aí a discussão ficou nisso: quem tinha sido o melhor presidente do Brasil desde os anos JK. Os piores presidentes foram facilmente listados pelos alunos: Jânio Quadros, Collor, Sarney, Dilma e Bolsonaro. E JK e FHC deixaram de ser os melhores, assim como Lula, para se tornarem os menos piores, isso segundo a Carla, uma das alunas mais aplicadas do professor Leandro. Para ela não havia como dizer que este ou aquele presidente era ou fora o melhor do Brasil, coisa que nunca tivemos, assegurava. E com essa colocação da garota, a aula de História estava chegando ao fim, a discussão também. Mas foi aí que o Manoel, considerado pelo professor Leandro um aluno apenas regular, que por aparentar ser tímido pouco falava em suas aulas, levantou a mão e sentenciou:
“Professor, concordo em quase tudo com a Carla, que o Brasil, desde Juscelino Kubitscheck até hoje, teve alguns presidentes 'menos piores' e que os demais foram mesmo péssimos governantes. Depois de ler muita coisa sobre nossa história recente para o módulo que estamos encerrando hoje, acho que o melhor presidente que o país teve, na minha modesta opinião, foi mesmo Tancredo Neves.”
Aí o professor Leandro se admirou, já que o rapazinho afirmara ter lido bastante sobre o assunto: “Mas, Manoel, o presidente Tancredo Neves nunca governou o país, porque morreu antes de assumir.” Manoel não perdeu tempo para retrucar: “Justamente por isso mesmo, professor.”
Eu não estava na aula, claro, só estou relatando o que me contaram depois, mas se estivesse não deixaria de concordar com o Manoel. Tancredo não, mas Sarney, que o substituiu, ajudou um pouco mais o Brasil a afundar no buraco fundo do Terceiro Mundo e depois tivemos de recorrer ao Fundo Monetário Internacional. “Dos presidentes que ainda estão vivos, nenhum se salva”, ainda completou ele na sequência. E aí o sinal do fim das aulas tocou estridentemente.
Foi quando o Lúcio, justamente como os demais colegas arrumando as coisas para deixar a sala, então disse, brincando, é claro, que desse jeito parecia que no Brasil presidente bom era presidente morto. Não imaginava ele que dias depois, durante as férias escolares, alguém poderia levar muito a sério esse mesmo pensamento e reinterpretá-lo num contexto muito pior e noutro cenário: lá em cima no mapa, na Pensilvânia...