O Sonho (Ou Multiverso)

Com o coração batendo rápido, sentindo arrepios que pareciam choques pelo corpo, abri os olhos, pulei da minha cama e fui lavar o rosto. Conferi o horário e ainda era cedo, eu poderia ficar mais um tempo na cama antes de ir para o trabalho, mas eu não queria. O apartamento estava silencioso, tudo no devido lugar, mas dentro do meu peito eu sentia um redemoinho de sensações. Peguei um copo com água e bebi devagar. Eu estava sentindo meu corpo se acalmando, o coração voltando para o compasso, lentamente. O sonho tinha sido muito nítido, impactante, bom, mas ao mesmo tempo assustador, nele eu me via mais velha, com cabelos na altura dos ombros, mais curtos do que são atualmente, e com mechas grisalhas enormes, meu cabelo castanho estava cheio de fios prateados.

No sonho eu estava casada com um ex-namorado com quem tive há muitos anos um curto relacionamento, na época terminamos sem brigar. Bem diferente eu o vi maduro, mais bonito, era gentil e parecia parceiro. Morávamos em uma casa térrea enorme com quintal, gramado, onde havia bancos grandes de ferro e um guarda-sol, lindo, gigante. Meu escritório era espaçoso, a estante lotada de livros era muito grande, o espaco bem decorado, tecnológico. Não tínhamos filho. Ele tinha tido um casal de filhos do casamento anterior. Era um pai amoroso e eu gostava dos enteados e eles nos visitavam sempre.

Era m sonho tão nítido que parecia que eu estava vivendo uma realidade paralela. A imagem era cristalina, cheia de detalhes, as cores vibrantes e realistas, pareceu longo, mas não sei precisar quanto tempo durou.

Eu não costumava me lembrar dos sonhos. Em detalhes, acho que nunca.

Geralmente sonhava com algo que havia vivido durante o dia, em geral, não nenhuma dava importância para isso, acordava e seguia mimha vida. Geralmente eu despertava com o sinal sonoro e levantava rapidamente para preparar meu café, tomar meu banho rápido e morno e ir dirigindo para o trabalho. Quand, eu recordava de trechos do sonhos, uma raridade, nunca era motivo para reflexão,

Eu tinha noção de que os sonhos podem ser "investigados". pelo psicólogo e dar pistas sobre nosso inconsciente. Para mim dormir era apenas descansar e repor energias. Sonhar ou não, nunca foi algo importante.

Dessa vez acordei emocionada e com imagens cravadas na minha memória. O sonho tinha provocado muitas sensações e eu estava impactada mesmo sem entender bem o motivo.

Eu havia me formado na universidade há um tempo, fiz todos os cursos que queria, tinha independência financeira, um namorado legal, estava saudável, tenho amigas que vejo com certas frequência, meus familiares estavam bem e eu estava em uma fase tranquila . Meus pais são casados há décadas e moram uma espaçosa casa aqui no interior de São Paulo.

Aquele ex-namorado que apareceu no sonho não tinha sido um grande amor e eu nunca mais o encontrei, nem por acaso. O namoro foi curto, um amigo me apresentou ele, não considero que tenha sido um relacionamento especial.

Eu não tinha contato com ele há anos, não tinha curiosidade e por isso nunca busquei nas redes sociais para saber informações dele ou de outro, e achava horrível stalkear as pessoas, também por isso eu não fazia ideia se ele estava casado, continuava solteiro, se tinha filho, talvez ele tivesse se mudado para outro estado ou país. Ele comentou algumas vezes que tinha interesse em estudar no exterior.

Conversamos e terminamos o namoro na época . Depois disso nossas rotinas se alteraram, novos amigos chegaram, a algumas pessoas que saiam com a gente para passeios só com casais se afastaram depois do nosso rompimento, o que é comum acontecer.

Eu estava reflexiva.

Durante o dia, no trabalho, me recordava com clareza de flashes do sonho.

Eu estou com trinta e quatro anos e no sonho eu deveria ter uns cinquenta anos ou mais. Eu estava bem, parecia contente , saudável e vivendo confortavelmente, feliz naquela relação. Lembrar de tantos detalhes era impressionante, dessa vez eu sentia como se tivesse viajado no tempo e me visitado em outra vida, no multiverso, como se existisse um tipo de máquina do tempo onde eu tivesse escolhido bisbilhotar a minha vida em outro "plano". Era como se sonhando eu tivesse tido contato com uma outra Riziane que fez escolhas muito diferentes e que seguiu uma outra rota.

Eu que adorava almoçar comnum grupo de colegas preferi ficar sozinha, quieta pensando no assunto.

Fiz uma pausa para um café no período da tarde, no bloco de notas do celular anotei tudo o que lembrava do sonho. As características da decoração da casa, quintale jardim, a cor e o estilo dos móveis, o estilo das roupas que eu e o Cris estavávamos usando, trechos dos diálogos. Era fascinante. Parecia que eu estava psicografando uma história de tão rápida que fui.

Ao finalizar minhas anotações li cada item e senti um estalo, como seria a minha vida hoje se eu tivesse feito outras escolhas ? A cada sete anos se fecha um ciclo, de acordo com a teoria dos setênios. Eu estava concluindo mais um ciclo de sete anos, aos 34. Eu tinha ouvido a respeito. Eu sempre fui ética mas...

Talvez fosse interessante passar em uma livraria depois do trabalho e procurar algum livro à respeito de sonhos e seus significados . Sei que existem estudos de psicologia sobre o tema.

Eu não sabia bem o que queria ler, apenas observaria se algo, algum título chamasse minha atenção. Eu tinha tablet e costuma ler e-books, mas dessa vez seria bom ir em uma loja física, consultar os títulos, talvez receber uma indicação do livreiro, algo que eu não fazia há anos, não me recordava quando foi a última vez que entrei em uma livraria, sem pressa, tomei um café e comprei livros.

Eu não conseguia parar de pensar que minha vida poderia ter tido outro rumo, melhor ou pior, não sei, mas completamente diferente.

Eu nunca cogitado repensar minhas decisões do passado e usar a expressão "e se..."

Antes de pesquisar o endereço de uma livraria da região mandei mensagem para uma amiga que adorava falar sobre os sonhos e seus possíveis significados na terapia. Escrevi para a Lucília contando resumidamente sobre recordar cada mínimo detalhe pela primeira vez na vida.

Lucília respondeu:

- "Sensacional. Logo você que me escutava com cara de deboche sobrr eu contando que anotava os meus sonhos pela manhã para não esquecê Los e depois levava o assunto para minha terapia. Você respondia que achava uma bobagem. Até hoje faço isso nas sessões com a psicóloga Junguiana.

Amiga, você sabe o nome completo dele, faça buscas na internet, talvez você consiga achar fotos e outras informações. Com sorte ele usa redes sociais e talvez plataformas de divulgação de currículos. Você vai poder ler informações e, quem sabe,ver fotos mesmo sem escrever para ele".

Eu achei absurda essa sugestão.

Não combinava comigo pesquisar na internet a vida de um pessoa, "fuçar" buscando fotos parecia grosseria e uma atitude irracional.

Com o celular nas mãos fiquei parada alguns minutos e não resisti, na busca digitei o nome completo do Cristóvão. Seu sobrenome também não era comum, talvez eu achasse algo, a curiosidade me venceu. O que eu pensava sobre certo e errado até ontem à noite, antes de me deitar, talvez não coubesse mais na minha vida.

Eu estava me sentindo estranha.

Encontrei vários resultados das buscas no meu celular em um site de pesquisa, li informações sobre cursos que ele havia feito em diversos endereços no Sul do país . As referências indicavam que ele atualmente trabalha com certificados controle de qualidade ou algo assim. Pelas sequências das datas dos cursos tive impressão que ele está morando há anos na região.

Minha curiosidade arrefeceu. Ele havia mudado de estado, de área de trabalho, o tempo havia passado e não havia nenhuma conexão ou amizade em comum. Havia uma foto dele que era antiga e um endereço de email. Nada demais.

Uso pouco as redes sociais. Não gosto de exposição, tenho apenas um perfil fechado em uma rede. Pensei um pouco e resolvi não escrever para ele.

Mandei outra mensagem para minha amiga, dessa vez ,dizendo que as informações indicavam que ele havia se mudado de São Paulo e depois contaria detalhes. Comentei também que minha curiosidade estava morta e seria enterrada. Tomaríamos um café (ela e eu) e ela seria atualizada sobre a história completa pessoalmente.

Depois de um longo dia de trabalho fui para casa.

Tomei uma ducha e fiquei deitada na cama durante horas pensando no sonho. Eu costumava chegar cansada, assistir um filme e adormecer rapidamente.

Bem acordada eu imaginava como eu viveria hoje se tivesse sido aprovada para uma vaga que concorri em uma grande empresa, como estaria minha vida se eu tivesse ficado morando perto dos meus pais em Cotia, se o namoro com o Cris não tivesse chegado ao fim hoje estaríamos morando juntos?, se eu estivesse solteira ao invés de namorando há dois anos?, e se o Otto, meu atual namorado, não tivesse sido apresentado para mim por uma amiga, se eu tivesse escolhido um curso diferente na faculdade e agora exercesse outra profissão, afinal eu estava na dúvida entre dois cursos , se eu tivesse escolhido ser mãe e engravidado antes dos trinta anos como fizeram algumas amigas casadas e solteiras, se eu tivesse ficado morando no exterior quando fui fazer intercâmbio ?

Depois de tanto pensar me levantei e resolvi pegar um caderno e uma caneta e deixa los no armarinho ao lado da minha cama. Eu passaria a anotar qualquer lembrança dos sonhos que tivesse assim que eu acordasse.

Levantei e fui até a cozinha fazer um chá. Eu pensava melhor tomando uma xícara de chá de limão, bem quentinho.

Há um tempo eu parei de levar meu celular para o quarto para descansar das telas e adormecer de modo mais tranquilo. Deu resultado. Eu acordava com o despertador do meu relógio de pulso que tinha mil funções.

Somente depois de tomar café da manhã eu lia as notícias e as mensagens. Precisei colocar regras para mim mesma para usar menos o celular, parar de fixar rolando telas infinitas e lendo informações desimportates ou vendo fotos de alguém quase famoso e ter tempo de ler um pouco todas as noites, hábito que eu adorava e que me garantia um sono mais gostoso. Eu devorava romances de todos os tipos, lia os clássicos, livros enormes e descobria autoras e autores da minha geração.

Assistir Séries. Algo que eu também amo. Foi nesse instante me lembrei de ter visto a divulgação na tv de uma série com a Alice Braga, atriz fantástica, sobre multiversos. Na série existe uma cápsula do tempo, algo fascinante.

Pronto! Descobri meu novo interesse. Assistir e ler tudo que eu encontrar sobre a teoria do multiverso. Vai ser no mínimo divertido.

Tomando o último gole do meu delicioso chá senti o sono "chegando", me dei conta que sempre fui muito racional e questionadora, lia apenas artigos científicos e desprezava teorias "malucas", ou melhor, eu era assim... antes de acordar hoje pela manhã.

Manuh Danorte
Enviado por Manuh Danorte em 11/07/2024
Reeditado em 16/07/2024
Código do texto: T8104996
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