A Cacimba na encosta da ribanceira: obra de um avô
Naquele dia, encontrei-me diante de um documento Word já aberto, desviando minha mente para a visita em devaneio que faria a cacimba onde meu avô costumava buscar água. A cacimba, situada ao sopé de uma ribanceira, não existe mais fisicamente, mas permanece viva na imagética que meu corpo produziu ao longo dos anos.
Não vim aqui para discorrer sobre cacimbas, embora tantas águas tenham fluído dali, encontrando seu caminho no mar de águas salgadas ou nas amarguras da vida. Eu desejava retroceder no tempo e proclamar, enquanto meu avô retirava a água azul daquela nascente sem agitar, que muitas noites sua cacimba havia sido a razão de minha serenidade. Enquanto eu enfrentava meus próprios "nãos", lembrava-me do suave som da água corrente. Recordava-me também da quebra do ciclo vicioso de opressão que ele havia superado, evocando o balançar das palmeiras como uma torcida erguendo suas palhas em sintonia com o vento, indicando que sua família seria seu legado.
Quando me recordo das brincadeiras de infância, enquanto a avó e a mãe batiam roupas na pedra ao som dos pássaros, é inevitável mencionar a sede que sentia, mas também o respeito à utilidade da cacimba. Meu avô, mesmo patriarcal, deixava claro: "Leve água para casa, sacie-se com a água que deixo no balde." A cacimba persiste em meu retorno imaginativo, embora talvez já não esteja mais naquela ribanceira onde outrora existiu. Anseio por voltar lá nas férias.
Há inúmeras cacimbas que não se comparam àquela. Na minha infância e vida adulta, jamais ouvi a palavra "pobreza" naquele contexto, não porque não estivesse presente, mas porque o balé da existência ali conseguia suavizar todas as agruras que as famílias enfrentavam. Não se tratava de romantismo, mas da atmosfera transformadora da cacimba, capaz de aliviar qualquer dor emocional.
Vô, não há como voltar atrás, o paradoxo que enfrentamos bagunça essa ordem em que vivemos. As cacimbas de hoje não oferecem água para todos; são seletivas. Enquanto alguns se afogam no líquido opressivo, outros sofrem com a sede.
Entre recordações e viagens pela imaginação, compreendo que a cacimba não é apenas um reservatório de água; é um símbolo de superação, carregando significados que transcendem o tempo e as gerações. Ecoa como testemunho das batalhas travadas, das vitórias conquistadas e das esperanças que moldaram meu presente. E todas as noites, em pensamento, prometo retornar àquela cacimba para saborear um gole de água pura e sincera.