Hoje, Eu Descubro
Pelo barulho da vassoura, Virgínia está braba... zangada ou aflita? Ainda não consigo identificar bem a diferença. Nervosa, tá nervosa, com certeza... às vezes fica romântica, o radinho tocando, as espanadas alongadas e a frequência entre elas diminui. Ela segura o cabo longamente, e sai valsando pela casa. Nesses momentos, chego a me aproximar de mansinho pelas costas dela, ela não me vê, os movimentos lânguidos, não são nada elegantes... Virgínia... não combina com ela... cííínica, cínica. Quero água, mas um gesto ligeiramente inclinado, como quem vai pedir a contra-dança, quebra a magia. Ela se torna lépida, disfarça. Ela sabe que percebo, mas ri... "Eu não sabia que cê tavaí.". Tava, tava sim, assim... da mesma forma quando se fala ou pensa rápido, de olho em você, penso eu. Não de fato interessado, fico inclinado, à toa. Mas hoje ela está um saco. O tchá tchá tchá não dá tempo pra divagações, vou direto para o quarto. No escritório é onde penso, às vezes escrevo ou anoto: Feirante só se encontra na feira; mendigo só na rua. Feira se encontra em todo lugar qualquer. Botar o pé fora de casa, tá na rua. De quem é esse Império? Do feirante ou do mendigo? O feirante tem prosa mole, acaba a feira, vai pra casa. Esse mundo é do mendigo.
Vou pra rua, disputar o mundo com o mendigo. Se eu me deitar ao seu lado, irei eu descobrir o segredo? algum segredo? de roubo, de morte, não desvendado pela polícia? Alguma traição não divulgada nas revistas? Alguma perfídia contra o Estado, contra a Igreja? Tudo começa na rua. Descobrirei o segredo do mundo? Sobre sua gênese? Estarei eu, livre da higiene livre da hipocrisia? E se eu for apunhalado, confundido com Brutus por Julio Cesar? Andará agora com a barba crescida, com os cabelos revoltos, a expressão desvairada, os olhos insanos e fulminantes? Mesmo que alguns traços se preservem, agora, sem identidade será difícil identificá-lo.
Melhor voltar pra casa e me esconder atrás da escrivaninha, atrás de Virgínia de radinho tocando.