Amiga, não!
Pelo amor da Deusa, o que você anda aprontando, amiga?! Parece que ainda está na fase da adolescência. Respondi a mensagem por escrito, pelo celular.
Você sabe que o que penso sobre sair com caras de aplicativo de namoro! No escritório temos uma cliente cuja filha está desaparecida desde que, sem avisar ninguém, marcou um encontro por meio de um aplicativo num bar com um homem que não sabemos quem é. Ela pode estar morta. A mãe desesperada está tomando medicação controlada e só chora, mal consegue dormir. A polícia ainda não tem pistas.
Lidar com processos como esse me deixa ainda mais desconfiada. Acho menos arriscado sair com algum cara que você já conhece pessoalmente. Eu escrevia enquanto esperava o elevador ainda no trabalho.
Pedi para que ela mandasse para mim todas as fotos dele disponíveis no tal aplicativo de relacionamento que ela pagava para usar. Eram cinco, no total. Ele se descrevia como um homem solteiro, tinha um filho com a ex-mulher, trabalhava como policial e queria “um relacionamento sério”.
A descrição era ok, o que me assustou foi uma das fotos. Ele usando a farda segurando uma arma. Seria uma metralhadora!?
Eu gelei, pensando nas fotos, mas minha amiga teimosa estava irredutível. Dizia que iria sim marcar um encontro num shopping com ele e que a troca de mensagens durava algumas semanas, ele era atencioso, interagia bastante. Ele parecia ser uma boa pessoa, ela tinha gostado das fotos, do porte dele, parecia ter um corpão, e do bate papo.
Pedi o nome dele completo e solicitei para que ela escrevesse para ele dizendo que uma amiga dela seria avisada sobre o encontro, data e horário, e que ela compartilharia o trajeto do carro de aplicativo comigo.
Ela sempre me achou exagerada, séria e até dramática. Eu apesar de adorá la sempre achei que ela tem uma alma infantil e postura que beira à irresponsabilidade.
Ela escreveu para ele que respondeu não apenas informando o nome completo, mas mandou pelo celular uma foto nítida da CNH dele.
Desacreditei ! Com esses dados e as fotos eu poderia buscar no Portal da Transparência, JusBrasil, dar um Google tb e buscar os perfis dele em todas as redes sociais do sistema solar.
Mandei para ela à noite , depois do trabalho, após fazer as buscas que demoraram um pouco a seguinte resposta em áudio :
“Não achei nada que o desabone. Pesquisei em todos os sites que conheço. Tenha juízo e combine de encontra lo em um lugar público, compartilhe o trajeto comigo"
Eu sabia que ela era a louca do motel. Nós estudamos juntas no ensino médio e ela apesar de divertida e boa amiga sempre foi “soltinha”. Ela retruca comigo que as poucas vezes que namorou com homens que pareciam muito legais foi traída sem dó, eles trabalhavam com ela ou eram amigos de amigas. Todos juravam amor eterno e eram "certinhos". Eu desisti de argumentar porque sabia que ela estava sendo sincera. Ela diz toda hora que não aguenta mais “ser chifruda e iludida” . Eu apenas dou risada.
Meu trabalho no escritório de advocacia, idas ao Fórum, preparo de documentação e contato com casos digamos, “pesados”, me deixou uma pessoa que acredita desacreditando, ao mesmo tempo.
Ficou combinado que a Soltinha, como eu a chamava, iria compartilhar comigo todos os passos dela na noite do encontro que aconteceria por volta das 19h30 em um shopping de fácil acesso. Eu avisei para ela que se ela parasse de responder minhas mensagens, mandar figurinhas, dar algum sinal de vida eu aguardaria um pouco e em seguida avisaria por mensagem o desaparecimento para a família dela tomar providências. A família acionaria a polícia. Ela apenas respondeu : “ok”
Eu estava angustiada e ela ansiosa para encontrar o homem que vou chamar aqui de Boina.
Pedi para que ela não entrasse no carro dele. Pedisse um carro de aplicativo e não parasse de fazer contato comigo via mensagem. Ela poderia escrever alguma coisa, mandar meme, escever apenas "ok", algo que indicasse que ela estava fora de perigo. Combinamos uma palavra que ela escreveria para mim apenas em caso de emergência.
Para minha surpresa ela mandou mensagens para o meu celular o trajeto do carro de aplicativo como eu pedi. Chegou no local e fotografou de modo discreto a cafeteria para que eu soubesse o local e horário do encontro. Ela disse que mandaria mensagens de texto e se possível também de áudio para mim.
Ela mandou a figurinha de um gato assim que ele chegou pontualmente no local combinado. Eu olhei e dei risada. Pelo jeito ela achou ele mais bonito ao vivo que na foto. Meu coração continuava inquieto. Ela parecia estar feliz enviando para mim figurinhas hilárias. Como pode ?! Eu não relaxava.
Eu imaginava que da cafeteria eles iriam para um motel. Pedi para que ela não fosse para casa dele nem o convidasse para ir para casa dela. Ela prometeu que dessa vez faria tudo direitinho, como eu estava “mandando”.
Fui para casa depois do trabalho e dirigindo meu carro eu recebia as mensagens e figurinhas engraçadas que ela mandava comunicando que estava adorando o papo e morrendo de tesão por ele.
Eu a invejava de certo modo, ela era leve, divertida. A profissão me deixou mais alerta, arisca, investigadora do que nunca. Na verdade eu sempre fui tudo isso. Adorava ver as séries e os filmes policiais com crimes, reviravoltas, chefes de polícia e delegadas, investigações criminais, prisões etc.
Mantendo o celular por perto cheguei em casa e fui tomar um banho bem quente. O dia tinha sido tenso, como era o normal, aliás. O trânsito estava um caos, nenhuma novidade. São Paulo é sempre caótica e estava pior porque havia recapeamento nas ruas de alguns bairros. Que delícia, só que não.
Comi algo que achei na geladeira em um potinho e deitei no sofá com o celular carregando. Minha intenção era ficar atenta e não desgrudar do aparelho.
Apaguei.
Dormi “feito pedra”, como diria meu avô querido. Eu estava cansada, exausta, mas ainda era apenas terça-feira.
Acordei com o despertador do meu celular tocando. O sofá era super confortável. Ainda bem. A almofada muito boa serviu como travesseiro. Aflita fui conferir as mensagens da Soltinha. Para minha surpresa ela feito exatamente o que prometeu mesmo enquanto eu não mandei resposta.
Ele estava de folga e por isso eles passariam o dia todo, juntos, “fazendo amor”, escreveu ela.
Eu abri um sorriso. Dessa vez meu radar errou. Coisa rara, mas ainda bem.
Fui tomar meu café amargo e comer um pãozinho que esquentei na panela elétrica, ainda de pijama porque hoje será longo, vou do escritório direto para o Fórum da Barra Funda. Eu reclamo, mas amo a profissão que eu escolhi.