Renascido na Fé

Eu senti o suor, misturado com meu sangue, escorrendo pelo meu rosto. O sangue manchou a minha visão. A plateia rugia ao redor, era um som ensurdecedor que preenchia a arena. Em um último esforço, golpeie Ricardo com um cruzado de direita. O golpe foi certeiro e ele caiu no chão com um baque surdo. O árbitro começou a contagem, mas eu já não escutava nada. Meus joelhos também cederam, minha visão escureceu e eu cai de encontro a lona. Fui trazido às pressas para o hospital, onde, entre a dor física e a neblina de consciência, narro a minha história.

Me chamo Felipe, nasci e cresci na Cidade de Deus, uma das favelas mais perigosas do Rio de Janeiro. Desde pequeno, aprendi a sobreviver. Como todos sabem o ambiente é repleto de violência e a pobreza é constante. Minha mãe, Nathalia, trabalhava incansavelmente para ajudar meu pai a sustentar a família. Meu pai, um homem duro e silencioso, fazia o que podia para me manter longe das más influências que permeiam as ruas. Ainda assim, era impossível evitar completamente o caos ao meu redor. O som de tiros e sirenes são tão comuns quanto o cantar dos pássaros, e as crianças aprendem cedo a correr e se esconder. Mesmo assim tive uma infância gostosa. Brinquei, estudei e posso dizer que tive mais momentos bons do que ruins.

Na adolescência, quando eu estava acima do peso, cheio de emoções e dúvidas, sofrendo bullying e apaixonado por alguém que jamais iria me querer, conheci o boxe. Eu tinha quatorze anos, quando conheci o Moacyr João, um ex-lutador que havia aberto uma pequena academia na favela. Ele me viu chorando pelas ruas e me chamou para conversar. Naquele dia Moacyr me convenceu a treinar dizendo que havia visto potencial em mim e, mais do que isso, via um garoto que só precisava de uma chance. O boxe se tornou uma válvula de escape, uma forma de canalizar a raiva e a frustração. Me dediquei com fervor, evolui, emagreci, fiquei forte e encontrei na academia uma nova família e um propósito que nunca havia sentido antes.

Enquanto muitos de meus amigos sucumbiam às drogas e ao crime, eu encontrava no boxe uma rota de fuga. A disciplina dos treinos e o apoio de Moacyr foram fundamentais para me manter no caminho certo. Eu sabia que qualquer deslize poderia significar o fim de meus sonhos. As dificuldades atraiam as tentações e elas eram muitas. Eu queria mulheres, carro, moto, dar presentes, fama, luxo e tudo o mais, mas a visão que Moacyr, minha mãe e meu pai me passavam a cerca de um futuro melhor, longe das ruas violentas, foi mais forte. O boxe era minha única saída, a minha salvação, um farol de esperança em meio à escuridão.

A vida, no entanto, não foi fácil. Eu treinava bem, mas sofri várias derrotas no ringue e cada uma delas me dava uma lição dolorosa. Para piorar, eu me tornei um cara emocional e romântico demais, talvez carente, e devido a isso a minha vida amorosa também enfrentou desafios. Me apaixonei por Emily, uma jovem da igreja, determinada e cheia de vida, mas a nossa relação era turbulenta devido as diferenças de crença. Eu era chato e broncudo com relação a igreja, por isso a gente brigava muito e nossa relação ficou marcada por brigas e reconciliações. Mas nada disso foi pior do que o golpe mais duro que levei na vida: A morte de meus pais. Minha mãe, vítima da Covid-19, e meu pai, abatido pelo luto e pela solidão, bebeu, dirigiu, bateu o carro e morreu instantâneamente. Eles deixaram um vazio insuportável no meu coração.

Foi o momento mais baixo de minha vida. Tudo perdeu valor e sentido. Larguei o boxe, me entreguei a comida, engordei, passei a beber e a fumar. Numa noite, quando eu saia de um prostíbulo, me envolvi numa briga e acabei desmaiando. Creio que naquele momento Jesus me deu um grande sinal. Acordei na casa de Ygor, um pastor local, que frequentemente visitava a academia para falar com os jovens e era pastor da Emily. Confesso que eu o odiava. Ygor me contou que impediu a minha morte, pois o cidadão com quem briguei era do movimento e ia me matar. Não sei o motivo, mas me senti a vontade com Ygor e aos poucos fui me abrindo para ele. Depois de me ouvir, o pastor que eu odiava, abriu a bíblia e me mostrou versículos de esperança e redenção. Naquela noite silenciosa, sozinho em meu quarto, me ajoelhei e entreguei meu coração a Jesus. Senti uma paz que nunca havia experimentado antes, um renascimento espiritual que me deu forças para continuar.

Já na manhã seguinte, com minha fé renovada, voltei a treinar. Meses depois, fiz novas lutas e até lutei bem, mas as perdi. As minhas exibições não se concretizaram em vitórias, mas atraíram olhares e a atenção de certos empresários. Foi então que Moacyr recebeu o convite para incluir um atleta no evento de boxe de influenciadores digitais. A proposta era incomum, eu era o menos cotado a ir devido as derrotas, mas Moacyr viu ali a oportunidade de provar a mim que o que ele disse no passado esta certo. Era a minha chance de provar a mim e ao mundo que eu poderia ser um vencedor. A ideia de lutar em um evento tão grande me motivou a treinar como nunca antes.

Os meses que antecederam a luta foram marcados por um treino intenso. Eu me dediquei de corpo e alma, enfrentei cada dia como se fosse uma batalha. Moacyr e Emily, sempre estiveram ao meu lado. Ela me encorajando como uma amiga e ele nas orientações. Cada golpe, cada queda, cada vitória no treino era um passo em direção ao meu objetivo. Eu sabia que aquela poderia ser a minha última chance de transformar minha carreira e minha vida.

A noite da luta chegou. O adversário era Ricardo, um peso pesado experiente e implacável. O combate foi duro. Ricardo me menosprezou no início, mas depois que sentiu o peso da minha mão e sentiu dificuldade em me achar no ringue, passou a me respeitar. Depois do terceiro round a luta ficou mais acirrada. Cada round se tornou uma batalha de força e resistência. Eu senti o peso das expectativas e das orações daqueles que acreditavam em mim. No último round, quando parecia que eu perderia por pontos, encontrei uma força interior que nunca havia sentido antes. Com um cruzado de direita preciso derrubei Ricardo. Eu conquistei a vitória mais importante de minha vida.

Mas a vitória teve um preço. Eu caiu com os golpes pesados que levei e vim para o hospital. A gravidade dos meus ferimentos se revelaram. Fiquei entre a vida e a morte, mas desta vez tive um verdadeiro encontro com Deus. Senti uma presença divina a meu lado, uma sensação de cura e redenção que me envolveu completamente. Orei, me arrependi dos meus pecados, os confessei e prometi ser diferente dali em diante. As minhas orações foram atendidas. Milagrosamente o coágulo no cérebro desapareceu e eu comecei a me recuperar.

Estou aqui, recuperado, atendendo a um novo chamado. Eu passei pelos quartos para evangelizar, usando minha história de superação para inspirar outros. Pretendo voltar para a favela onde cresci e compartilhar minha fé e meu testemunho de vida. Ajudar Jesus a abrir novas igrejas e academias de boxe. Oferecer uma alternativa às crianças e jovens que, como eu, buscavam uma saída.

Sou um homem transformado, refletindo sobre minha jornada. Do caos da favela ao ringue, das derrotas amargas às vitórias redentoras, eu encontrei um propósito maior. Minha vida é um testemunho vivo de que, com fé e determinação, é possível criar um novo caminho, uma nova história. Eu encontrei em Deus a força para me reinventar e, oro para que cada pessoa que ler essa história, veja e sinta o que Deus pode fazer. Jesus te ama e quer te salvar!

Erich Noronha
Enviado por Erich Noronha em 20/06/2024
Código do texto: T8089641
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