A coragem havia lhe feito uma visita como um colibri ao beijar flores.

Tomou apressadamente a caneta e discorreu sobre os sentimentos que lhe sufocavam a alma.

Desde criança, via Atena como um presente. O seu nome trazia toda a beleza que nela cabia: deusa da sabedoria.Tamanho era o seu amor que aceitou ser um amigo, sem nunca ousar lhe dizer.

Colocou no papel todas as experiências vividas ao lado dela, ainda na primeira infância, como se fosse uma biografia amorosa, que relatava o desejo inocente do primeiro olhar até o dia em que foi contar a ele sobre um namorado.

As mãos trêmulas deixavam a caligrafia borrada, assim como o coração, desde que decidiu manter-se à esquerda.

Descreveu os sentidos um a um, e como se comportavam em sua presença.

Todos os amores lhe foram roubados: a mãe morreu num trágico acidente por atropelamento de trem, a avó de mal súbito, pouco tempo depois. Ele perdeu as figuras maternas e passou a viver a escuridão de ter que ser macho:

-Não chore! Homem não chora! E nunca o fez, perto do pai, é claro, mas a noite era sua companheira, no travasseiro que pertenceu à mãe, todas as lágrimas tinham um caminho. As penas de ganso tornavam os sonhos mais leves, mesmo que estivesse acordado.

Quando foi descrever o amor, chorou sem fôlego:

"Não sei se o que sinto é louvável, já que o seu olhar nunca me prometeu reciprocidade, mas não poderia guardar na mala de viagem da vida, essa bagagem pesada, de sentimentos tão nobres, separados em frasqueiras, para não contaminar a sua história, Atena. O meu amor transporta sonhos em nuvens de algodão, enquanto me aventuro nas trovoadas, raios e chuvas, sem cobertura."

Dobrou o papel, colocou no envelope endereçado, selou e guardou.

Depois de 40 anos, quando em fase terminal, no hospital das forças armadas, pediu à neta que a colocasse num quadro, minutos antes do último suspiro.

E a carta revelou seu segredo.

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 13/06/2024
Reeditado em 13/06/2024
Código do texto: T8085370
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