Aporias
“Só viemos dormitar/ só viemos sonhar/ não é verdade/ não é verdade/ que viemos para viver sobre a terra” – poema nahuati-ianomâmi
- Eu tenho de chegar lá.
- Existe só um caminho para chegar lá.
- E qual é este caminho?
- Não sei, só sei que só existe um caminho.
- Qual seria este caminho? Preciso chegar lá!
- Deve buscá-lo!
- Como buscar se não sei onde começa?
- Já está buscando.
- Poderia andar, ir andando até encontrar...
- Assim corre-se o risco de afastar-se mais ainda!
- Então devo ficar parado?
- Não, deve procurar.
- Às vezes penso que deveria voltar, até aqui tinha certeza de tudo, sabia por onde ir, a estrada era reta, agora há bifurcações. Não existe nenhum indicativo do caminho correto.
- Os melhores momentos são aqueles que fazem evaporar as certezas. Olhe para trás e verá que a estrada da volta já não existe.
- É verdade! Estamos num círculo e todas as estradas são longas... Vou ficar aqui um pouco.
- É impossível, o círculo a cada segundo se fecha e vai nos obrigar a tomar um rumo qualquer...
- Mas ele não pode me obrigar a tomar qualquer rumo se eu ainda não sei e não escolhi a estrada.
- Tomar o rumo certo só interessa a você próprio, para o círculo é essencial que tomemos qualquer rumo. Não importa qual seja. Você então vai tomar qualquer rumo? Não vai procurar o certo?
- Minhas procuras me fizeram perder-me... Vou deixar o cerco se fechar e tomar o caminho mais próximo.
- Não deseja mais chegar lá?
- É tão difícil!
- Achei que a única coisa fácil era dormir, no entanto, o sono é breve e a insônia torna impossível essa felicidade.
- Boa ideia, o reino do sonho! Talvez lá me seja indicado o caminho...
- Não durma, não durma! (gritou) Não vai encontrar o caminho no sonho! Tudo é tão embaralhado!... Dormiu! Queria só avisá-lo! O círculo está mais próximo, quando acordar vai estar numa estrada qualquer e já não mais vai se preocupar em estar no rumo certo. Não sei nem se vai chegar lá, porém outro círculo aparecerá e novamente todas as certezas estarão destruídas.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 2000