No calçadão, os ambulantes
Eu chego cedo no calçadão, já com meu carrinho com as caixas de mercadoria. Pago um rapaz para montar minha barraca. É só arrumar tudo. Gosto de chegar antes do pessoal que vem para o trabalho, sempre faço uma venda neste horário. Eu vendo perfumes, cremes e maquiagem de marcas famosas e alguns importados sem uma boa procedência. Fazer o que ? Preciso aumentar minha renda, da aposentadoria não dá para viver.
Logo vem chegando o restante dos camelôs. Produtos diversos e agora se juntou a nós feirantes com legumes e frutas. No final de semana ainda tem a feira de artesanato com peças belíssimas feitas a mão. Todos animados , o riso é coisa séria
Por fim chega os hippes, ou artistas de rua. Não possuem barracas, colocam um pano no chão para expor as mercadorias. Bijuterias feitas no aço ou macrame, trabalhos em durepox e cipó.
E com eles vem Rosália, uma morena de cabelos longos e cacheados, corpo franzino num vestido longo indiano de alças e um olhar penetrante. Do grupo todo se destaca por sua beleza. E eu percebo cada vez mais estar apaixonado por ela. Sua presença me paralisa. Ela é fera no artesanato. Trabalha o tempo todo com os fios encerado enquanto atende os clientes.
Na semana passada ela me ajudou a escolher um colar de pedras para eu dar de presente a uma sobrinha. Hoje vou agradecer lhe dando um perfume com fragrância amadeirada que combina com ela.
Eu penso nesta mulher noite e dia desde que chegaram na feira. Dormir e acordar fica cada vez mais difícil.
Do outro lado da calçada vejo o movimento deles, homens barbudos ou com cabelos cheios de dreds, mulheres com uma risada gostosa. Tem até algumas crianças pequenas que perambulam pelos panos.
Lá pelo início da tarde tomo coragem para me aproximar para falar com Rosália. Não quero ser julgado pelos outros mas tenho que correr o risco.
Está um dia ameno de outono e o vento da tarde é acolhedor. O ar está mais intimidador para uma aproximação.
Coloco o dinheiro das vendas no bolso e saio da barraca em direção aos artistas de ruas, com um saquinho na mão aveludado para entregar a Rosália.
Todos nós conhecemos uns pelos outros pelos nomes ou apelidos. É uma tradição da feira.
- Rosália eu trouxe para você- disse com o voz trêmula, o coração palpitante e com suor nas mãos geladas. Aquela mulher me tinha na palma das mãos.
- Ela não tem dinheiro para pagar - disse o Russo, um sujeito com cabelos estilo moicano e piercing em todo o rosto.
-É um presente por ela ter me ajudado com uma compra.
- Então pode aceitar.
Ela não queria olhar no meu rosto, só estendeu a mão agradecendo. Havia algo de errado. Abaixei para olhar para seu belo rosto. Envolta do olho esquerdo estava uma mancha roxa e tinha sangue pisados dentro dos olhos.
A liberdade que eles tanto preservaram como estilo de vida nada ficava longe de de mais um caso de violência doméstica.Aquilo doeu bem forte em meu peito e me afastei da mulher que tanto achar que amava.
Só me esqueci que os artistas de rua, ou os malucos de BR eram nômades e nunca ficavam no mesmo lugar. Nunca mais vi Rosália.