A MÃO QUE SEGURA O TERÇO

Na pequena cidade, onde todos conheciam todos, a vida era aparentemente pacata e tranquila. As ruas eram cheias de crianças brincando, vizinhos trocando receitas e segredos, e a igreja na praça central era o ponto de encontro para todos os moradores, especialmente aos domingos.

 

Dona Beatriz, uma senhora respeitável e devota, era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Viúva há muitos anos, ela dedicava seu tempo à igreja, ajudando nas missas, organizando eventos beneficentes e cuidando das crianças do orfanato local. Sua reputação de bondade e piedade era inquestionável, e todos a viam como um exemplo a ser seguido.

 

Além de seu papel na igreja, Dona Beatriz era conhecida por sua fé inabalável. Sempre com um terço nas mãos, ela era vista rezando em todos os momentos livres, pedindo proteção e bênçãos para a comunidade. E não havia mãe mais amorosa que ela; apesar de não ter filhos próprios, cuidava das crianças do orfanato como se fossem suas, sempre balançando seus berços com carinho.

 

Porém, por trás dessa fachada de santidade, havia um lado obscuro de Dona Beatriz que poucos conheciam. Ela era uma mulher de opiniões fortes e inflexíveis, e não tolerava o que considerava "desvios" dos valores morais tradicionais. Sempre que alguém na cidade cometia um erro aos seus olhos, Dona Beatriz estava pronta para julgar e condenar.

 

Um exemplo claro disso aconteceu quando Clara, uma jovem de dezessete anos, engravidou. A notícia se alastrou  como fogo  e Dona Beatriz foi uma das primeiras a reagir. Em público, ela se ofereceu para ajudar Clara, prometendo apoio e assistência, mas em segredo, julgava a jovem severamente.

 

Dona Beatriz começou a organizar reuniões discretas com outras mulheres da igreja, onde discutiam a "imoralidade" que Clara havia trazido para a comunidade. Essas reuniões logo se transformaram em sessões de fofoca e julgamento, com Beatriz liderando o coro de críticas e condenações.

 

Clara, sentindo a pressão e o julgamento da cidade, ficou cada vez mais isolada e desesperada. Mesmo com a promessa de ajuda de Beatriz, ela sentia o peso da desaprovação constante. As palavras que ouvia nas ruas, os olhares de reprovação e as sussurradas críticas afetaram profundamente seu bem-estar.

 

Uma noite, durante uma tempestade, Clara entrou em trabalho de parto. Sozinha e assustada, ela deu à luz em sua pequena casa. A notícia do nascimento rapidamente chegou aos ouvidos de Dona Beatriz, que viu nisso uma oportunidade de mostrar sua "benevolência" à comunidade. Ela correu para a casa de Clara com um grupo de mulheres, prontas para ajudar a jovem mãe.

 

Ao chegar, encontraram Clara fraca e desamparada, segurando seu bebê recém-nascido. Dona Beatriz, com seu terço na mão e uma expressão de falsa compaixão, pegou o bebê e o colocou suavemente no berço. Enquanto balançava o berço com uma mão, com a outra segurava firmemente seu terço, recitando preces.

 

Mas Clara, mesmo exausta, percebeu a hipocrisia na voz e nas ações de Beatriz. Ela sabia que a mulher que agora balançava o berço de seu filho era a mesma que havia lançado as pedras de julgamento contra ela. Em um momento de coragem, Clara olhou diretamente nos olhos de Dona Beatriz e disse:

 

— Sua ajuda não apaga as pedras que você jogou contra mim. Você pode segurar o terço e balançar o berço, mas isso não muda o fato de que você me apedrejou com suas palavras e ações.

 

A sala ficou em silêncio, e as mulheres ao redor ficaram chocadas com a ousadia de Clara. Beatriz, sem palavras pela primeira vez, sentiu-se exposta. Ela tentou manter a compostura, mas a verdade nas palavras de Clara ressoava profundamente.

 

Nos dias que se seguiram, a história de Clara e Dona Beatriz se espalhou pela cidade. As pessoas começaram a questionar a verdadeira natureza da bondade de Beatriz e refletiram sobre suas próprias ações e julgamentos.

 

E assim, na cidade, ficou uma lição importante: a mão que balança o berço e segura o terço pode ser a mesma que apedreja. A verdadeira bondade não está apenas nas ações visíveis, mas na compaixão sincera e na ausência de julgamento. E a cidade, antes unida pela tradição, começou a se unir pela compreensão e pelo perdão.