O DILEMA

 

Marcos olhava fixamente para o bilhete da Mega Sena em sua mão, os números estampados ali como testemunhas silenciosas de um pacto feito há mais de duas décadas. Ele ganhara o prêmio, um montante que poderia mudar sua vida e a de Dora para sempre. Mas junto com a euforia veio também um turbilhão de dilemas.

 

Vinte anos atrás, quando ainda eram jovens e apaixonados, Dora escolhera aqueles números. Um gesto inocente na época, um acordo entre amantes que parecia tão distante da realidade atual. Ele se lembrava claramente da promessa: se ganhassem, ela receberia 20% do prêmio. Parecia tão simples naquela época, mas agora, diante da realidade, era tudo menos isso.

 

Seu relacionamento com Dora terminara por razões que, olhando para trás, pareciam tão triviais. A diferença de idade entre eles, a pressão familiar, o peso das expectativas. Ele continuara sua vida, casara-se, construíra uma família. Dora também seguiria em frente, embora ele soubesse pouco sobre ela desde então.

 

Mas agora, com a fortuna em suas mãos, ele se via diante de uma encruzilhada. Cumprir o acordo significaria revelar um segredo enterrado no passado, um segredo que poderia abalar as estruturas de suas vidas atuais. Afinal, o que mais restava daquele romance proibido, além desses números?

 

Marcos ponderou cada opção, pesando os prós e os contras. Ele não podia simplesmente ignorar o acordo, pois sua consciência o incomodaria para sempre. Mas também não podia simplesmente revelar tudo, arriscando causar dor e confusão para ele e para Dora.

 

Então, uma ideia começou a surgir em sua mente. Uma solução que poderia satisfazer seu compromisso e preservar a paz de suas vidas atuais. Ele decidira dividir o prêmio, mas sem mencionar os motivos por trás da escolha dos números. Assim, ele poderia cumprir sua promessa sem desenterrar o passado.

 

Marcos passou a considerar cuidadosamente como poderia implementar sua ideia de dividir o prêmio. Ele sabia que precisaria de uma estratégia sólida para que tudo corresse de forma discreta e sem levantar suspeitas. Então, uma ideia começou a tomar forma de maneira mais concreta em sua mente.

 

Primeiro, ele decidiu procurar um consultor financeiro. Esse profissional poderia orientá-lo sobre a melhor forma de distribuir o dinheiro sem chamar atenção desnecessária. Marcos marcou uma reunião e, durante o encontro, explicou ao consultor que havia ganhado um prêmio significativo na loteria e desejava fazer doações para algumas pessoas, sem que isso fosse divulgado publicamente.

 

O consultor sugeriu criar um fundo fiduciário. Dessa forma, ele poderia distribuir o dinheiro de maneira organizada e confidencial. Marcos gostou da ideia e decidiu seguir por esse caminho. Com a ajuda do consultor, ele estabeleceu um fundo fiduciário anônimo. Ele indicou que uma parte do prêmio fosse destinada a diferentes beneficiários, incluindo Dora.

 

Para Dora, Marcos planejou uma doação generosa, mas sem exageros que pudessem levantar perguntas. Ele queria garantir que ela tivesse uma vida confortável, mas também não queria expor nem ela nem ele a riscos desnecessários. Além disso, ele decidiu distribuir o restante do prêmio entre algumas instituições de caridade, o que também ajudaria a dissipar qualquer suspeita sobre as origens dos valores.

 

Quando chegou o momento de falar com Dora, Marcos optou por ser sincero, mas seletivo. Ele explicou que havia ganho na loteria e que, por questões pessoais, preferia não divulgar publicamente. Disse que queria ajudá-la financeiramente como forma de agradecimento por sua amizade e apoio ao longo dos anos. Dora, surpresa e emocionada, aceitou o gesto com gratidão, sem questionar muito os detalhes.

 

Assim, Marcos conseguiu cumprir sua promessa. Ele dividiu o prêmio de maneira a garantir que tanto ele quanto Dora ficassem protegidos e em paz. Os motivos por trás dos números escolhidos na loteria continuaram guardados em seu coração, enquanto ele seguia em frente, satisfeito por ter encontrado uma solução que honrava seu compromisso e preservava a serenidade de suas vidas