Lágrima de mãe
Por Ana Pujol
" Mães choram, descobri isso muito cedo. Mães trabalham, cuidam,zelam e também choram . " ( O choro da minha mãe e a música do riacho de Mário Baggio )
Ela sentou-se na cadeira do meu quarto e percebi que chorava. Silenciosa , ela chorava. Tinha chegado do trabalho direto para a cozinha para fazer o jantar e minha irmã cochichando algo no seu ouvido, fez-lá entrar no meu quarto.Não brigou, nem parecia zangada. Só chorava. Tão pouco ligou para os meus pés sujos em cima da cama. Parecia querer me fazer companhia. " a polícia está me procurando" rompe o silêncio " precisamos cuidar desse machucado no pé e os arranhões no braço, vá tomar um banho" falou sem temer o que eu tinha dito, e nem queria saber o que tinha feito.
Eu estava foragido há três dias no mato junto com dois parceiros. Com fome e sede. A escuridão da noite era assombrosa. A polícia prendeu os caras e um cão farejador abocanhou meu pé, mas consegui fugir sem deixar rastro entrando num riacho. Foi uma noite dentro da água.
Consegui chegar em casa e me abrigar, mas eles me achariam com certeza.
A água quente do chuveiro abrandou a dor no pé que infeccionou , latejava.
Minha mãe fez o curativo e só ouvi ela dizer que eu precisava de um médico. E voltou a chorar. Eu não sabia o que dizer a uma mãe que chora. Seria melhor que ela gritasse ou xingasse .
Ela comprou queijo pela manhã e teve um banquete de rei. Poderia ir dormir novamente se a polícia não invadisse a casa e me prendesse. Ainda pude ver os braços de minha mãe estendidos numa súplica e ela chorava.
Ao ser condenado naquela sala fria e o pé queimando de dor reparei que minha mãe estava com a boca aberta, pronta para soltar um grito de loba mas nenhum som ecoou. Era só um grito mudo.
Agora estou numa cela que serve a oito homens mas que tem mais de vinte. Há um revezamento para quem fica em pé ou sentado. Fui duas vezes à enfermaria para curativo no pé. E me deram uma injeção. Mas a infecção parecia não ceder.
Dentro da cela , fétida e abafada, eu não demonstrava que estava fraquejando de dor pois tinha um sujeito que quase todos os dias matava um que estivesse mais vulnerável. Demoravam para tirar o corpo inerte da cela e nunca encontraram o objeto perfurante que ele usava nos assassinatos.
Comecei a ter febre e quando era minha vez de sentar a cabeça latejava muito. A comida quase sempre chegava já estragada para nós. Eu não tinha fome.
Foram poucos dias, eu acho, penso que delirava. Até que uma brisa suave percorreu minha cintura e logo veio muito frio e antes que escorregasse ao chão pude ver o sangue que escorria na minha bermuda e as gotas que caiam no meu pé. Gotas de lágrimas de mãe.