Dora
Quando estava sóbrio era melancólico e um grande artista. Fazia com esmero trabalhos em cerâmica, manejando o torno como ninguém. De longe vinha gente para comprar suas peças: canecas, jarros, moringas, sempre decorados com passarinhos levando um raminho no bico. Essa imagem auspiciosa da vida renascendo, na história do dilúvio que o padre um dia contara no catecismo, era fonte permanente de inspiração. Mesmo que as coisas da igreja há muito tivessem ficado para trás. Quando estava bêbado __ o que acontecia pelo menos uma vez por semana __ gritava e chorava copiosamente. Atravessava a cidade cambaleando e cantando a canção de Caymmi "Dora rainha do frevo e do maracatuuu".
Dora era a irmã mais nova, perdida para o rio, na infância. Ele de tudo fizera, mas não conseguira salvá-la. Foi-se na correnteza, e deixou o coração dele ferido para sempre daquela ausência. Apesar das conhecidas bebedeiras, Mariinha concordara em casar-se, depois de meses de ininterruptos pedidos acompanhados de uma única rosa roubada dos jardins da praça. Amava-o quando estava sóbrio, e tinha medo de passar a odiá-lo quando estava ébrio. Mas apaixonara-se. O casamento não curou a ferida da ausência da irmã morta. Uma vez por semana ele chegava em casa aos gritos e em prantos: "Ô Dora! eu vim da cidade pra ver meu bem passar...". E os nove meses de gravidez também não impediram o porre semanal. Mas quando a menina nasceu e ele a segurou nos braços pela primeira vez, uma aura de encanto envolveu pai e filha. Murmurou baixinho: "Dorinha!". E nunca mais bebeu.