A Caixa
Ficava bem no fundo do armário, escondida pelas pilhas de blusas com cheiro de alfazema. Antiga. Despretensiosa. De madeira clara, pintada de flores, hoje já desbotadas. Gasta, com um pequeno fecho em forma de boca na tampa. Era uma tarde triste de outono e ela presenciara outra briga entre os pais. Troca de ofensas, o ar pesado de rancor, úmido de ressentimentos. Daquela vez, seguiu o fio de lágrimas da mãe até à porta entreaberta do quarto. Viu-a tomar aquela caixa estranha, desconhecida, destravar o ouro do fecho e abrir apenas uma pequena fresta. Julgou ouvir uma leve risadinha, rapidamente aspirada pela mãe que voltou a sala leve, e se dirigiu à cozinha cantarolando uma canção. A curiosidade foi tomando corpo dentro dela, tanto que não conseguiu refreá-la. Pé ante pé voltou ao quarto. Cuidadosamente abriu o armário, e com o coração aos pulos, puxou a caixa do fundo escuro, perfumado de alfazema, onde se escondia. Destravou o fecho dourado em forma de boca, e ao escancarar a tampa foi atingida como um soco por uma risada alta, e logo muitas risadas de todos os calibres, frenéticas, esganiçadas, assustadoras, risos de deboche, risos demoníacos que saíram ao seu encalço à medida que atravessava veloz o corredor, depois a sala, até ganhar a rua, correndo, correndo atordoada, o bramido das risadas perseguindo-a sem piedade, ecoando loucamente atrás de si.