(DES) ENCONTROS
Apressada andava pelas ruas e sua memória de um poema dedicado a ela, por um amor que se desintegrou nas brumas do passado, veio à tona: “A Orquídea Negra rebola/ Quando o vento toca marimba/ Nas grades de sua cela”. (militante político)
Onde andaria Magrelo? Será que ainda morava no Brasil? Nunca mais soube dele. Foram amigos de fé, camaradas nos idos sombrios da Ditadura Militar. Só se reencontraram uma vez em uma das instâncias do Judiciário, que julgava os processos de indenização pela Comissão de Anistia Política. Esta reaproximação foi marcada por mágoas que não se apagaram com os anos.
Dizem que o tempo é o melhor antídoto para afastar o sofrimento que os desencontros provocam. Sentimos isso com o enamoramento, a paixão e a morte. Estes momentos nos fazem sofrer por conta de que um pedaço de sua vida, se vai, quando os sujeitos de sua atenção saem de cena. É como uma parte de sua vida fosse com eles. Foi o que aconteceu com Magrelo e ela não queria reviver o sofrimento, que a ausência do outro provocara em seu coração. Estava depois de muito tempo em paz. Magrelo resolveu pedir asilo em um país latino-americano e, fora o encontro casual, nunca mais soube dele.
Depois de muitos anos, ela resolveu retomar à luta política na dita “democracia” e se envolveu nos movimentos sociais. Tudo era tão diferente do passado! As antigas Organizações Não Governamentais (ONGs) ficaram contaminadas pela tutela dos países imperialistas e das seitas evangélicas, ocupando os espaços dos partidos e da igreja católica. Este novo contexto desarticulou os grupos independentes nas favelas urbanas e áreas rurais.
No século XXI ocorreu um remanejamento das propostas políticas através da separação de diversos grupos de interesse voltados para a ascensão individual bem ao gosto das “classes médias”: Negros, Indígenas, Mulheres, Velhos, Artesãos, Crianças, LGBTQIA+, etc. envolvidos em ofertas variadas de “inclusão social”. Estratégia internacional de impedir as lutas políticas dos “excluídos”. Lutas essas que, no passado, reuniam os trabalhadores em função de seus interesses contra a dominação/exploração do trabalho. Repetiam a antiga estratégia do “dividir para reinar”.
Tinha consciência destas mudanças no contexto, mas com esperança de reverter o processo que visava a alienação de todos. Novos contatos, admiradores, flertes. Era como se revivesse um período intenso de militância. Logo se envolveu com um rapaz jovem onde alternavam afinidades, vivências diferentes, medo mútuo. Um período no estilo de Doris Lessing em “Amor de Novo” (1995) tocando nos preconceitos que envolvem “as restrições e dificuldades criadas pelos hábitos sociais à plenitude amorosa da mulher”.
Voltou com frequência, ao cinema. Qual foi a surpresa ao deparar com Magrelo, que desta vez teve uma reação de alegria e se abraçaram emocionados com o reencontro. O affaire com o amante jovem estava no fio da navalha. Ambos tinham temperamento explosivo e suas concepções políticas divergiam. Podiam romper a qualquer momento. Mas, ela não se afastaria só por conta do amor antigo que voltou. Daria tempo ao tempo para tomar alguma decisão.
Os atritos com o amor recente seguiam com embates no WhatsApp: “TRÉGUA” /// Será que temos alguma chance de refletir nossas desavenças passadas? Chegar a um contato amistoso? Ou é mais prudente deixar o tempo fluir? Axé. Um bilhete dela para ele que não obteve resposta. Tinha de dar um tempo para saber o que fazer. O amor antigo nunca entendeu a sua necessidade de “amor livre”, de morar em casas separadas, de não ter filhos. Depois de tantos anos não podia garantir que ia topar uma “amizade amorosa”. Tinha de dar tempo ao tempo.
Não tinha certeza de nada, só que não queria se afastar de um para ficar com o outro. Quem afirma que o amor é exclusivo? As regras sociais, os hábitos e costumes? François Truffaut em “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois” (1962) fala de encontros e desencontros entre amigos. Doris Lessing diz: “Podem o amor e o desejo sobreviver ao tempo? Ou mais óbvio é o que estava escrito no paralama de um caminhão: “O Amor e o Desejo não têm fronteiras.”