Vovó
Não consigo me lembrar de minha avó, mas, através do papai e de da titia, sinto-a tão próxima. Sim, éramos parceiros, eu e ela.
No meu mundo infantil, cheio de imagens lúdicas, a da vovó sempre foi a mais importante imagem.
Na adolescência, período em que os hormônios estão conturbados, eu adorava escutar histórias de minha avó. Sempre que tinha uma oportunidade, eu pedia para falarem dela e ria muito, pois era uma velhinha muito engraçada. Como gostaria de tê-la conhecido melhor, de poder ter estado mais ao lado dela.
Hoje, nos momentos mais difíceis, me refugio nas doces, delicadas e engraçadas histórias da vovó. Agora, mais velho, me pego contando aos meus filhos sobre a bisavó deles.
Em certos momentos de crise, em minha vida, acho que era a minha área de paz, meu oásis, meu conforto, a vida de minha avó. Chego a sonhar com ela. Ou, pelo menos, na imagem das inúmeras fotos que meu pai e minha tia mostravam.
Quem a visse, jamais poderia imaginar o que fora a vida dela, o quanto sofrera e o número de feridas emocionais que possuía.
Guerreira, forte, lutadora, impoluta, parceira, amiga, excepcionalmente empática e bem informada, vovó teve uma vida realmente difícil. Muitas outras pessoas não teriam suportado. Mas ela jamais sucumbiria às vicissitudes da vida, que pode ser muito cruel.
Seu humor ácido e sarcástico, seu lado debochado, suas críticas cruéis e risíveis, seu abraço gostoso, seu amor verdadeiro, leal, sua risada gostosa que tanto cativara os amigos de seus filhos.
Dona de um senso de humor ímpar, tinha brincadeiras que beiravam à crueldade. Ria de si mesma, caçoando de seu envelhecimento de uma forma hilária. Mas o espírito era jovem. Fumava muito, inclusive cigarrinhos ilícitos. Só não gostava de bebidas alcoólicas. Mas era adepta das famosas "tarjas pretas". Bem, nem tudo se deve ao espírito jovem, algumas coisas decorreram das terríveis dores emocionais que aquela pequena velhinha carregava em seu coração. Como ela gostava de "fugir da realidade", com a qual tinha imensa dificuldade em lidar.
Independente do dia e da hora, a vovó estava sempre à disposição de seus filhos, tanto para consolar, como para falar sobre questões éticas, morais, espirituais, amor ao próximo, evitar sentimentos como ódio, sede de vingança. "Deus tudo vê e nada fica impune". Quando ainda eram jovens, papai e titia tiveram oportunidade de presenciar muitos casos de ação e reação, que é uma máxima espiritual. Alguns falam em Lei do Retorno, karma, etc. A verdade é uma só: Ninguém fica impune ao mal que fazem aos demais.
Tudo isso lhes foi ensinado pela vovó, cujo único objetivo na vida era o bem-estar de seus filhos e marido. O vovô é assunto para depois. O negócio deles era a maravilhosa vovó, baixinha, esguia, teimosa, odiava médico, depressiva, brava, amorosa, parceira de muitos cigarrinhos proibidos, esquerdista, brigona, desaforada. Como não tinha filtro, os filhos entravam em pânico quando ela abria a boca diante de alguém desconhecido, ou um amigo deles. Uma pessoa ímpar, que modificava músicas se utilizando de palavrões, deitava-se comigo na cama, quando eu tinha 5 anos, e brincávamos de xingar. Ah, vovó, hoje estou adulto, tenho 40 anos, muitos problemas e as coisas que sei de você me fazem embarcar em uma nuvem e flutuar enquanto te imagino vivendo as coisas que me contaram. Como, vó, eu gostaria de ter-te ao meu lado. Quem sabe eu não me animaria, fumaria cigarros e cigarrinhos proibidos, enquanto você me contava como foi cuidar de mim chapada de haxixe.
do seu sempre amado neto, Leon
Campos dos Goytacazes, 17 de abril de 2024 - 19:44 horas
Emar Vigneron