Oficina de contos - criar uma história onde a atmosfera do ambiente dialogue com o personagem
Ausência
Quando se viu sozinho naquele enorme apartamento após o funeral começou a observar toda a simetria do local. Móveis, tapetes e cortinas combinando entre si. E mesmo dias após a internação da esposa tudo se mantinha limpo e bem cuidado. Tudo nos seus devidos lugares e organizado.
Pela primeira vez, Antenor observou a quantidade de porta - retratos da casa. Todos de fotos do filho e da família que ele formou.
Num ímpeto começou a arrancar as fotos e jogar ao chão os porta - retratos. Na sala em cima do aparador, do piano, numa pequena mesinha junto à janela e numa estante onde só continha porta - retratos. Tudo cuidadosamente construído pela esposa que acabara de perder. O amor da sua vida partira para sempre.
O filho, veio para o funeral mas não demorou nem dois dias e voltou para o Rio de Janeiro onde já residia a mais de 20 anos. Não reconheceu como os netos tinham crescido, para Antenor era indiferente a falta que eles pudessem fazer, sua vida se completava com a esposa.
Mas ela sentia tanta falta do filho que colecionava fotos por toda a casa. Datas comemorativas, viagens, pequenos passeios, jogos de futebol e o crescimento dos netos. Ela alimentava dor e saudade naquelas fotos.
Antenor foi para o quarto, lá havia mais porta - retratos e continuou seu ataque. Rasgava as fotos em duas , colocava num saco e deixava pelos chão as molduras. Até que um ao cair no chão quebrou-se ainda com a foto. E de dentro da moldura salto uma folha de caderno bem dobrada. Ele abriu cuidadosamente e leu junto com suas lágrimas. Era um poema que falava sobre um álbum de fotografia. Dedicado a sua sogra. Leu rapidamente e entendeu que sua esposa não amava tanto assim as fotos. Que elas eram paralisadas, silenciadas e que ela gostaria mesmo era deixar todas fechadas, sepultadas. E por fim ela dizia no poema sobre o desejo de fotografar abraços apertados e abençoados.
Para Antenor aquilo era um choque. Não conhecia tão bem a esposa assim.A filha chegou e abriu o armário. Tirando dele uma caixa de papelão com estampas floridas e entregou a ele. Abriu com cuidado e lá continha muitos papéis, diários e algumas cartas do filho amarradas numa fita azul de cetim. Eram poucas cartas. Tinha à sua frente um enorme acervo do que não conhecia da esposa. De novo voltou ao armário e tirou um vestido de mangas longas dela. Abraçou-se à vestimenta e continuou a chorar. A filha o olhava pela porta também chorando. Derrotado foi para a cama deitar-se com o vestido. Incrédulo olhava o teto. Teria que se acostumar com a ausência da esposa como um dia ela criou uma forma de lidar com a ausência do filho e da mãe . E ali a sua frente, dentro da singela caixa tudo que ela pensou um dia. Secou as lágrimas e pegou um papel aleatório. Com as letras muito bem desenhadas estava escrito. " Hoje meu marido está demorando a chegar . Vai se atrasar para a hora do jantar "
Fim