Desafio 5 - escrever um conto de caráter  onírico 

 

Margem circular

Em sonho me via sempre como uma menina entrando na adolescência. Cabelos bem curtos e vestida com uma saia branca com florzinhas vermelhas e azuis.Uma camiseta vermelha sobre a pele onde os seios já faziam seus contornos.A infância ainda presente no início  do caminhar para a vida adulta.

E assim a menina adentrava em um lago escuro, caminhando lentamente. Havia uma luminosidade azul sobre o leito do lago, era a luz da lua.

Não sei se mergulhava ou ficava apenas deixando a água cobrir o meu corpo. A água era morna como seria a água primordial do útero. 

E quando saia do lago via que era outra pessoa. Uma mulher esguia com os cabelos compridos caídos nas costas, tão negros quanto a noite. Vestida numa saia amarela e blusa de renda, branca. Uma imponente  mulher já amadurecida. Eu já crescida. 

O lago era o transitório caminho que trilhava. 

Só que enquanto caminhava no que parecia um cais à beira do lago, eu tropecei e caí novamente na água. E o pequeno lago circular dava lugar a um rio a fluir, também escuro e muito assustador.Um rio sem definição para onde ia. Eu nadava em busca da margem, por vezes afundava com se afogasse e novamente me via nadando em busca da margem .

Nunca alcançando a margem a mulher que me tornara percebe uma pequena embarcação com um velho dentro. Um ancião. O barqueiro acenava para salvar-me. Ele não tinha formas definidas, mas era tão acolhedor como o próprio rio. 

Então começava  a dúvida: se nadava para a margem ou se buscava abrigo no barco com a silhueta de um velho escurecida. 

A margem nunca chegava e a embarcação cada vez mais próxima. 

Um rio ou o anterior lago parecia tranquilo, não havia vegetação ou correnteza.  Ele só continuava morno e acolhedor. Mas que por vezes me afundava e a sensação de ficar sem ar era assustadora. 

Olhei novamente para o barco e me vi, outra vez uma menina pedindo ajuda.

Na verdade , duas de mim estavam no rio. A menina que queria ser salva e a mulher que tentava alcançar a margem .

Eu sentia que a ajuda do barqueiro era para tomar o lugar dele na embarcação. Ele, ancestral , necessitava de alguém para manter o barco infinitamente navegando naquele rio parado, silencioso. Enquanto que a margem era insípida, sem movimentação de animais ou árvores. A margem era uma estrada. 

Eu, menina, nadava com firmeza ao encontro do velho do barco. Eu, mulher, queria alcançar a estrada e seguir caminho. 

Em dado momento o rio voltou a ser um lago banhado de luar, meus olhos podiam enxergar melhor, não estava tão assustador. E a margem era bem vista, circundando toda a extensão do lago. Uma estrada para seguir.

Por fim começava a amanhecer  e os primeiros raios de sol despontavam no céu  e curiosamente eu estava me encaminhando para o barco.  Em fração de segundos eu me vi frente a frente comigo mesma. A menina estendeu a mão para a mulher que a fitava com carinho. Elas quase se tocaram .

A menina disse infantilmente : - Venha para o barco comigo! 

E eu pedi quase em silêncio:

- Fique aqui  ! 

Num sorriso sincero se cumprimentaram.  E se afastaram. 

E amanheceu inesperadamente clareando tudo ao redor. A água estava mais fria e transparente. 

E na alvorada, a menina que eu fui um dia, voltou-se ao velho e subiu na embarcação se sentindo segura. Disposta a criar raízes num navegar constante pelas águas límpidas  do rio.  E eu mulher, finalmente alcançara a margem.Com as vestes secas, com um brilho no olhar, ainda descalça,  seguindo pela estrada deixando para trás  o lago uterino. 

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 22/03/2024
Código do texto: T8025156
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