FOI O VENTO

 

POR: Sônia Machado

 

Capítulo 31

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UMA SEMANA SE PASSOU DESDE O FUNERAL DO SR. Lopes, avô de Lívia. Ela tentava seguir a vida mais uma vez, só que agora com a alma mais leve que chegava a ser feliz. Ela já não se sentia sozinha e já não havia dor, apenas saudades e lembranças e ela lidava até bem com esses sentimentos. 

—A vida tem um jeito estranho de consertar as coisas. —Ela pensou consigo enquanto colhia rosas e observava o tempo e o bando de andorinhas pousadas em fileiras certinhas nos fios elétricos logo de manhã. Lívia sempre ficava imaginando como elas não sofriam alguma espécie de choque. Naquele momento ela se lembrou:

—Setembro é o mês das andorinhas. —E sorriu se lembrando do pai que, um dia, com ela e seu irmão Miguel no alpendre, as observavam às centenas sobrevoando o céu. Eram tantas que o céu chegava a ficar cinza. Seu pai havia dito naquele dia que setembro era o mês das andorinhas e que quando elas ficavam assim sobrevoando o céu era prenúncio de chuva e fim do inverno.

De fato, o inverno já estava quase de partida e o vento parecia ter se acalmado. Já não batia nas janelas e em seu rosto como antes e quando ela saia pelas ruas, ele era apenas uma brisa leve que a seguia fazendo carícias. Ele já não sacudia tanto as árvores da rua. Também pudera. Algumas já estavam completamente nuas e as que já ostentavam algumas poucas folhas novas e verde-claras tinham o respeito do minuano, afinal era a vida que renovava.

Quando Lívia já ia subir de novo as escadas com um buquê de rosas nas mãos, alguém a chamou do portãozinho. Era o mesmo homem que viera avisá-la da morte avô.

—Senhorita Lívia...

—O que será dessa vez?—Lívia falou para si mesma e parou no primeiro degrau da escada.

O motorista atravessou o portãozinho e parou diante de Lívia.

—Dr. Fonseca quer vê-la ainda esta manhã em seu escritório.

—Mas de que se trata? — Lívia questionou o homem. — Tem a ver com o aluguel dessa casa? —Havia temor em seus olhos cor de mel.

—Não sei do que se trata. Sei apenas que é do seu interesse. Vim buscá-la.

— Veio me buscar? Mas... — Lívia não estava entendendo nada. Por isso ficou ali parada diante do homem como se esperasse mais informações.

—Dr. Fonseca tem pressa... — Ele pareceu impaciente e Lívia temeu que mais problemas viessem pela frente, mas teria que enfrentá-los.

Foi com tensão e ansiedade que subiu as escadas e se arrumou para ir encontrar o advogado de seu avô. Na pressa preferiu uma calça jeans, uma camiseta básica e tênis. Desceu as escadas apressada e encontrou lá embaixo o motorista que a aguardava andando de um lado a outro. 

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Dr. Fonseca recebeu Lívia no escritório que ficava no mesmo prédio da Imobiliária. Assim que a viu entrar se levantou e apertou-lhe a mão.

—Senhorita Lívia? Que bom que veio. — cumprimentou-a e jogou de novo o corpo pesado na poltrona. — Como tem passado?

— Seguindo a vida. — respondeu sem querer demonstrar autopiedade. —Por que mandou me chamar? — Lívia perguntou temendo a resposta. — Se for com relação ao aluguel da casa... Sei que está atrasado...

— Não... —  Dr. Fonseca a cortou. — Não se trata do aluguel da casa. — E foi logo colocando na sua frente um envelope grande costurado, cujo nó da linha estava lacrado com cera quente e marcada pelo carimbo do cartório.

— Não tem a ver com o aluguel? Mas o que é então? —Lívia questionou pegando o envelope sem entender e correu os olhos por ele.

Dr. Fonseca tomou o envelope de volta e depois de pigarrear foi direto ao ponto. Ele não gostava de muitos rodeios. Na verdade isso não funcionava no mundo da advocacia, exceto as brechas que eles sempre encontravam implícitas nas leis para safar ou beneficiar seus clientes. 

—Esse envelope é um testamento deixado por seu avô Vicente Lopes— falou por fim.

— Um testamento? De meu avô?— Ela não conseguia entender direito. —Mas o que eu tenho a ver com isso?

— O que você tem a ver com isso? Você tem tudo a ver com isso menina... — O Advogado a fitou sacudindo o envelope diante do olhar questionador de Lívia. Ele realmente esperava que ela soubesse do que se tratava, afinal era a neta do falecido.

 —Antes de morrer Sr. Lopes fez esse testamento e você é a beneficiária. — O advogado suspirou impaciente como se lidasse com um aluno que não entendia a lição por mais óbvia que fosse.

— Eu sou a beneficiária? Mas por quê?—Lívia não queria acreditar, principalmente pelo fato do avô ter cortado relações com a família. Porque agora estaria reatando essa relação através de um testamento e depois de morto?

— Porque você é a neta dele cara menina.  — O advogado tentou deixar claro uma coisa que parecia óbvia, mas que Lívia parecia não entender ainda. Ou fingia que não entendia.

— Ele tinha cortado relações com minha família. — Lívia argumentou —Nem sabia de minha existência.

— De fato... Sr. Lopes havia, inclusive, deserdado o filho Miguel perante a lei, o que seguindo a lógica não faria de você herdeira. Por isso ele fez o testamento. Para devolver o seu direito — Dr. Fonseca explicou enquanto coçava o cavanhaque recém-aparado. —Ao que tudo indica ele se arrependeu dos erros do passado.

— E quis se redimir fazendo um testamento... — E Lívia apontou o dedo para o grosso envelope.

— Menina Lívia, não estou aqui para julgar o Sr. Lopes. Apenas para cumprir sua última vontade — O advogado pareceu impaciente.

—Eu não posso aceitar isso—Lívia se levantou. — Uma fortuna não vale nada diante do que perdi, do que meus pais perderam por causa das decisões de meu avô. —E Lívia se virou para Dr. Fonseca— Eu estou falando de sentimentos, de convivência familiar. Essas coisas que não tem preço entende?

— Entendo... Entendo você menina. Não tiro sua razão. Mas não estamos aqui para discutir isso concorda? Até porque o que passou, passou, não tem mais volta. O que importa agora é o presente e nesse exato momento ele está aqui nesse envelope quer queira, quer não. Portanto, senta ai nessa cadeira e vamos cumprir os protocolos.  Depois você faz o que quiser com sua fortuna.  — Dr. Fonseca ordenou como se falasse com uma filha desobediente.

Lívia um pouco envergonhada de sua atitude sentou-se novamente e olhou para o advogado. Não queria que ele a visse como uma pessoa imatura. Mas é que ela se sentia confusa com a perspectiva de uma fortuna tão grande em mãos. O que ela faria com tudo? Justo ela que aprendera a viver com tão pouco? Mas tentando parecer mais natural e mais objetiva, deixou de lado aquela lamúria que só demonstrava o quanto o orgulho ainda fazia parte de sua vida.

—Vamos aos protocolos então... — E cruzou os braços no colo esperando.

— Pois bem... — Dr. Fonseca pigarreou de novo — Esse documento trata-se de um testamento cerrado que só pode ser aberto pelo juiz. Marquei a audiência de abertura para amanhã.

—Amanhã? Mas já? —Lívia sentiu o coração saltar do peito. 

—Sim... Amanhã... —Dr. Fonseca se levantou da cadeira e entregou a Lívia um documento que continha todos os protocolos a seguir para a audiência— Não vá faltar. — E sorriu um sorriso compreensivo antes de acrescentar:

— Você se parece com o avô...

Lívia que já alcançava a porta parou e se virou.

—Pareço?—Ela questionou sem entender porque pelo que sabia, ela se parecia com sua avó Leonor.

—Não... Não fisicamente... O advogado pareceu ler os pensamentos de Lívia. —Você tem o mesmo gênio que seu avô tinha.

—Você conhecia bem meu avô... — Lívia se arriscou a insinuar.

—Posso dizer que sim. Eu o conhecia bem. — Dr. Fonseca falou como se trouxesse a imagem de seu cliente às lembranças. —Ele era de fato um homem muito orgulhoso e prepotente. Mas, por trás dessa imagem, era um homem amargurado.

—Você tem certeza? —Lívia sentiu um aperto no coração e uma alegria com a possibilidade de seu avô não ter sido totalmente prepotente. Às vezes, as pessoas criam máscaras para sobreviverem.

—Tenho certeza menina. Eu fui para ele mais que o advogado que cuidava da burocracia de seus negócios. Eu fui o único amigo, o conselheiro, fui o psicanalista— Dr. Fonseca parecia de repente reflexivo. —e te digo mais Senhorita Lívia, ele te amou assim que a viu. Ele só tinha medo de admitir.

Uma lágrima rolou pela face de Lívia.

—Meu avô me amou... E eu simplesmente pedi um tempo. —A dor do arrependimento abalou o coração de Lívia.

O advogado percebeu como ela se sentia e, levantando-se disse:

—Bem... O que importa agora é seguir em frente. Lamentar não vai mudar o rumo da história. Espero-te amanhã na audiência. — E bateu no ombro de Lívia de forma paternal.

 

 

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CONTINUA....  MAS PRÓXIMO AO FIM  

 


 

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