FOI O VENTO

 

POR: Sônia Machado

 

Capítulo 25

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NOS DIAS QUE SE SEGUIRAM APÓS CONHECER SUA NETA, Sr. Lopes havia vivido intensas reflexões e lembranças. Ele passava o dia sentado na poltrona de couro na sacada de seu quarto. Esse comportamento foi notado pelos funcionários da casa que questionavam se não estava doente. Mas ele negava e continuava lá até tarde da noite pensando. Às vezes nem descia para fazer as refeições e Nestor levava alguma coisa numa bandeja e deixava na mesinha ao seu lado.

—Senhor... Trouxe-lhe torradas e chá. Não desceu para o café... Não está se sentindo bem?

—Estou bem Nestor. Não se preocupe comigo.

— Mas... — Nestor tentava argumentar. —Talvez eu devesse chamar seu médico.

—Já disse que estou bem Nestor. Não quero saber de médicos. Eles não iam resolver meu problema. —E dispensava o criado com um gesto. 

Tudo que Sr. Lopes mais desejava era ser reconhecido pela neta e viver com ela momentos que ele mesmo havia se negado. Ele queria ser seu cúmplice, o seu conselheiro. Ele queria tomar café junto com ela todas as tardes na varanda; caminhar com ela pelas ruas e sentar numa praça qualquer para observar os pombos e até lerem juntos na biblioteca ou debaixo de alguma árvore no jardim. De repente todas essas coisas pareciam essenciais demais para Sr. Lopes e ele teve consciência do quanto havia perdido naqueles vinte  e dois anos.

Sr. Lopes teve receio de que talvez fosse tarde para começar um relacionamento com sua neta. Ele compreendia bem os sentimentos de Lívia naquele momento, pois ele próprio os tivera durante anos. No entanto, vira certa ternura nos olhos de Lívia. Ele viu, inclusive, o perdão estampado nos olhos dela. Sim, ela já o havia perdoado e isso encheu Sr. Lopes de alegria. Só que ela não teve coragem de admitir. Era nobre quanto à mãe, mas, orgulhosa quanto o avô.

—Ela pediu um tempo... — Sr. Lopes disse em voz alta enquanto observava da varanda de seu quarto o jardim lá fora. —Será que vou estar vivo quando ela se decidir?

O vento soprou mais frio e ele se levantou e entrou no quarto.

—Preciso aceitar e esperar... —caminhou lentamente para a cama sabendo que a noite seria longa com seus fantasmas cobrando velhas dívidas.

Em sua espera pelo tempo de Lívia, os dias se tornaram muito longos assim como a sensação de urgência, pois seu estado de saúde foi se agravando.

 

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Através de exames, Sr. Lopes havia descoberto a evolução de um quadro de Fibrilação Atrial que é a forma mais comum de arritmia cardíaca. Seus batimentos cardíacos tornavam-se cada vez mais irregulares e desordenados diminuindo o desempenho do coração e fazendo com que ele tivesse sintomas como palpitação, fadiga, falta de ar, mal-estar geral, tontura, ansiedade e até dor torácica.

Com o aumento dos sintomas, aumentou também a intuição de Sr. Lopes com relação ao seu tempo de vida. Ele pressentia que seu fim estava próximo e por isso, naquela manhã chamou em sua casa o Dr. Fonseca, seu advogado.

Quando o advogado chegou, Sr. Lopes o esperava em um pequeno escritório ao lado de seu quarto.

—Vim assim que pude Sr. Lopes— E foi logo desabando o corpo com sobrepeso na cadeira. —Estranhei ter me chamado aqui, pois sempre tratamos de assuntos diversos na Imobiliária—disse colocando a maleta em cima da mesa e observando Sr. Lopes sentado do outro lado. Ele bem abatido e bem mais magro do que a última vez que se viram.

—Na verdade não estou muito bem Dr. Fonseca. — confessou. — As crises de arritmia têm aumentado e por isso tenho um assunto urgente para tratar com o senhor.

O advogado levantou uma sobrancelha, tentando adivinhar que assunto seria, já adivinhando, contudo. Era comum velhos milionários fazerem testamentos em seus últimos dias de vida. Por isso pigarreou, ajeitou o corpo roliço na cadeira, afrouxou o nó da gravata e esperou.

—Tenho uma neta... — Sr. Lopes foi logo dizendo para espanto do advogado que, novamente se ajeitou na cadeira— É filha de Miguel. Eu não sabia até poucos dias atrás. — De repente Sr. Lopes se deu conta de ter falado o nome filho, algo que não fazia há mais de vinte anos. E se deu conta também que não era tão difícil assim fazer isso.

— Mas... O Senhor tem certeza? — O advogado questionou, lembrando-se de como as pessoas podem ser aproveitadoras — Quer que eu providencie um DNA então?

— Não... —Sr.Lopes o cortou.— Não se trata disso e nem será preciso pois tenho provas mais que suficientes

— Tem? Mas... — O advogado estava perplexo— Tem certeza Sr. Lopes. Veja bem...

—Tenho certeza—Sr. Lopes garantiu. —Existem provas mais eficazes que um simples exame de DNA. E, além disso, meu caro... — Ele falou com o olhar num ponto qualquer do escritório. —o passado quando vem a tona, vem trazendo todas as informações genéticas de um indivíduo para não restar dúvidas.

E finalmente olhando para o advogado acrescentou:

—O passado pode sim, ser o portador da mensagem genética.

—Não sabia que o Senhor entendia dessas coisas de genética—O advogado assumiu um ar de riso.

— E precisa entender quando se tem olhos para ver? — Sr. Lopes pareceu contrariado com o ar cínico do advogado. —Minha neta é a cópia de minha esposa.

— Verdade? Mas mesmo assim... Quando se trata de leis, um DNA é a prova mais concreta dessa mensagem genética. — O Advogado insistia

—Sem DNA Dr. Fonseca. — Sr. Lopes o cortou.— Até porque meu tempo é curto e minha neta jamais se submeteria a esse exame.

—Mas por que ela não faria esse exame?— O advogado não estava entendendo. —É do interesse dela.

— Porque é tão orgulhosa quanto o avô. —Sr. Lopes admitiu mesmo tendo conhecido a neta por algumas horas. — Você conhece minha história... Eu reneguei minha família. — A mágoa dela com relação a  mim só o tempo vai resolver e eu desconfio que não tenho esse tempo entende?

Dr. Fonseca finalmente compreendeu, pois conhecia um pouco da história do Sr.Lopes. Especialmente seu conflito com o filho Miguel. Afinal ele mesmo havia feito o documento de deserdação, na qual Sr. Lopes havia considerado Miguel como desprovido de moral para receber a herança.

— E então, Sr. Lopes. O que quer que eu faça?

—Um testamento. — Sr.Lopes foi direto.

—Um testamento... — Dr. Fonseca pareceu confirmar para si mesmo e foi logo abrindo sua enorme pasta preta de couro compact e tirando de lá de dentro um laptop.

 — E quem seria o beneficiário do testamento? — O Advogado perguntou enquanto abria o laptop e clicava em algumas teclas. Por um momento ele tivera a impressão de que o Sr. Lopes queria se livrar da neta, supostamente uma aproveitadora.

—Quem é o beneficiário? — Sr. Lopes pareceu impaciente. — Ora Dr. Fonseca, o Sr. não entendeu?—Claro que é minha neta.

— Sua neta? — O Advogado pigarreou.   Pensei que queria deixar ela de fora como fez com seu filho Miguel. — Ele gaguejou, percebendo que fora longe demais.

As palavras do advogado atingiram Sr. Lopes que, por instantes, fixou nele seu olhar, mas ficou calado. Dr. Fonseca, porém, continuou:

— Achei que pensasse que ela fosse uma caça-fortuna. — despejou por fim.

Advogados são excessivamente diretos e são movidos pela razão, nunca pelos sentimentos. E o termo ‘caça-fortuna’, usado por ele para se referir à Lívia, feriu Sr. Lopes. 

— Caça-fortuna? Minha neta?— Sr. Lopes pareceu extremamente irritado com o advogado, pois chegou a esmurrar a mesa. —Garanto-lhe que ela não aceitará um único centavo meu. — Ele respondeu baseado no primeiro e único encontro dele e Lívia.

— É tão orgulhosa quanto o avô... — O Advogado apenas repetiu o que o próprio Sr. Lopes havia admitido alguns minutos antes. E temendo outro murro na mesa, protegeu seu laptop com as mãos.

— Nesse caso seria perda de tempo fazer um testamento beneficiando sua neta já que ela não irá mesmo aceitar. — E fazendo um ar pensativo o advogado sugeriu—Huumm... Talvez fosse melhor o Senhor dar outro fim à sua fortuna. — Dr. Fonseca alisou o cavanhaque estiloso enquanto falava com ar questionador. As suas últimas palavras, no entanto, pareceram ainda mais provocativas ao Sr. Lopes que novamente o fuzilou com o olhar, mas ficou calado.

Dr. Fonseca sentiu que tinha se excedido.

—Desculpe-me Sr. Lopes. Eu queria apenas ser objetivo.

— Sua objetividade me irrita.  Vamos aos detalhes Dr. Fonseca... — disse Sr. Lopes  apontando para o laptop aberto em cima da mesa.

E assim passaram aquela manhã tratando do testamento e quando despediu o advogado, Sr. Lopes disse apenas:

—Apresse com a parte burocrática. Não tenho muito tempo...

 

 

 

CONTINUA...

 


 

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