FOI O VENTO

 

POR: Sônia Machado

 

Capítulo 24

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QUANDO LÍVIA CHEGOU DO ENCONTRO COM O SR. Lopes, encontrou sua mãe na saleta lendo.

— Mamãe... Não devia estar descansando? — A repreendeu enquanto lhe beijava o rosto com carinho e se sentava ao seu lado no sofá creme.

— Às vezes me canso de descansar. — D. Esmeralda sorriu e retribuiu o beijo da filha. Depois fechou o livro que estava lendo e olhou-a nos olhos.

—Na verdade estava um pouco tensa te esperando. — A mãe de Lívia admitiu.  — Sei que foi procurar seu avô. —havia em seus olhos uma espécie de questionamento e, ao mesmo tempo uma confirmação.

— Sim, mamãe... Eu fui.

—Eu sabia que faria isso quando saiu. — D. Esmeralda confessou.  — E o encontrou?

—Sim, eu o encontrei. —Lívia ficou por instantes olhando um ponto qualquer da saleta, recordando o encontro com o avô e seus traços marcados pelo tempo. Sem dúvida havia uma aura de poder e orgulho que o envolvia. Mas havia também uma ternura em seu olhar. Uma ternura que, talvez, só os netos podem notar, não importa quanto o avô possa ser prepotente, bravo, ranzinza. Avô e neto são cumplices.  E essa é uma relação mais natural que existe. Lívia queria poder ter vivido essa cumplicidade.

— O que sentiu quando o viu?— D. Esmeralda tirou a filha de seus devaneios.

—Sabe mamãe... Eu confesso que senti emoção. Muita emoção. Muita... Não nego. Como poderia?— Lívia se iluminava ao falar — Sempre pensei na figura de meu avô desde menina, não somente como alguém que ia me mimar e divertir, mas também como conselheiro e uma fonte incrível de saber. —E virando-se para sua mãe— Sabe mamãe, é estranho, mas eu pensava em meu avô como uma enciclopédia daquelas enormes com respostas para todas as minhas perguntas.

—Verdade filha? Uma enciclopédia? — E não pode deixar de rir diante da confissão da filha. — Mas porque tinha essa ideia na cabeça?

— Na escola meus colegas viviam falando: meu avô disse isso, me contou isso, me ensinou aquilo. Daí coloquei na cabeça que os avós sabem de tudo como as enciclopédias. Eu ficava me imaginando sentada no colo de meu avô enquanto ela falava de rios, de montanhas, de cidades... — E Lívia também riu. Depois ficou séria de repente.

— Sim. Emocionei-me ao ver meu avô. Mas ao mesmo tempo, senti raiva dele, por ter me negado todas essas coisas.

—Ele nem sabia que você existia— D. Esmeralda tentou justificar Sr. Lopes.

— Mas quando ele renegou o próprio filho e a nora, renegou seu papel de avô também, mesmo sem saber que a senhora estava grávida.

—Eu compreendo filha. Sei como se sente.

— Foi uma mistura maluca de sentimentos mamãe, porque também não pude evitar o sentimento de compreensão diante do arrependimento de meu avô. Ele ali na minha frente, um homem poderoso, admitindo os erros, parecendo de repente tão frágil. Sabe mamãe? Eu vi uma lágrima nos olhos dele. Vi sim.

—Meu Deus... —D. Esmeralda levou a mão à boca. Era uma coisa que ela jamais esperava do sogro.  No fim das contas, todos tem um lado mais humano.

—Desconfio que não fosse fácil para meu avô. Por isso ele foi criando máscaras para se proteger, talvez, até mesmo do próprio poder.

—Mas então... Você o perdoou... —A mãe de Lívia admitiu por ela.

—Na verdade mamãe... Eu pedi um tempo a ele.

Lívia estava confusa com tanta mistura de sentimentos. 

— Um tempo Lívia?

— Sim, mamãe. Eu pedi um tempo ao meu avô que sonhei conhecer a vida inteira.

—E como está se sentindo agora depois de ter pedido esse tempo?— D. Esmeralda questionou a filha que parecia muito abalada.

—Estou me sentindo cruel mamãe. —E enxugou uma lágrima com a manga do casaco.

A mãe passou as mãos nos cabelos da filha.

—Sabe Lívia, por orgulho fazemos coisas absurdas e preferimos romper com os laços afetivos.   Em vez de dar o primeiro passo para romper os conflitos, desperdiçamos tempo amargando e remoendo coisas. E quando falo isso, não é só ao seu avô que me refiro minha filha. Falo de seu pai que não insistiu numa reconciliação. Falo de mim. — E fixando seu olhar em Lívia continuou. — E falo de você também e peço outra vez que não repita nossos erros. O orgulho mata pessoas e sentimentos...

— E eu simplesmente pedi um tempo para meu avô mamãe. Não o perdoei de cara. Ou talvez no fundo eu tenha até perdoado, mas não falei para ele. Deixei-o ficar pensando o contrário. O que queria que eu fizesse? Simplesmente me jogasse em seu colo depois de tudo?

—Mas você quis fazer isso... —D. Esmeralda insinuou.

—Sim mamãe... Eu quis fazer isso. Eu quis tanto. Jogar-me nos braços dele, beijar seu rosto cheio de rugas e alisar os cabelos cor de neve. — Lívia confessou com lágrimas nos olhos.

Seria o certo a fazer? Certamente esse gesto dissiparia todas as nuvens escuras daqueles anos todos. Esse gesto repararia, inclusive, as atitudes de seu pai que já se fora e também de sua mãe, cujo fim estava bem próximo.

— Era meu dever fazer isso? — Lívia questionou a si mesma em pensamento. No entanto, simplesmente pedira um tempo ao avô e o deixara lá amargando sua culpa e suplicando em silêncio seu perdão.

— Mamãe, você não imagina como invejei minhas colegas na escola quando elas falavam de seus avós. Dos fins de semana que passava com eles. Das férias inteiras na casa deles. Todas elas tinham uma história para contar e eu não tinha nenhuma. Apenas as que eu inventava em minha mente e guardava só para mim.

—Mas um dia mamãe... — Lívia pareceu viajar para um tempo distante e abraçou com a mãe. — Um dia tivemos que contar numa redação sobre como passamos as férias de julho e imagine, eu inventei que tinha passado as férias no céu com meus avós. Falei que lá era lindo e que tinha um monte de anjos e meus avós plantavam flores em jardins que não tinham fim.

Lívia não pode evitar um soluço e algumas lágrimas molharam os cabelos de sua mãe.

D. Esmeralda baixou o olhar sob o peso do arrependimento. Ela não devia ter ocultado a existência do Sr. Lopes para a filha durante tanto tempo. Talvez tudo já tivesse se resolvido. Pois que avô não se derreteria diante de uma neta? 

—Perdoe-me minha filha por ter tirado essas coisas de você. Não sabe como me dói. — D. Esmeralda enxugou uma lágrima que escorria pela face e Lívia preocupou-se que aquela emoção não lhe fizesse bem.

— Mamãe, não se culpe afinal foi meu avô que os renegou.

— Mas eu devia... — A mãe de Lívia ainda insistiu, mas Lívia colocando os dedos nos lábios da mãe pediu:

—Não falemos mais nisso mamãe. Tudo aconteceu assim porque tinha que ser com certeza. E agora você precisa descansar. Já se esforçou muito. Não se preocupe que tudo vai se resolver. Eu prometo... — E levantou-se para levar sua mãe para o quarto.

D. Esmeralda a seguiu obediente. Mas já na sua cama, ela ainda falou:

—Sobre o tempo que pediu ao seu avô... Não o prolongue muito. Pense em tudo que falamos minha filha. E sei que tenho insistindo nisso: mas não repita os erros de sua família. E esse conselho se refere também a Arthur. Sei que discutiram.

Lívia não havia ainda contado a mãe sobre seu rompimento com Arthur e nem o motivo desse rompimento. Mas então teve a certeza de que a mãe, apesar de doente, não deixava de observar à sua volta. Ela e Arthur não chegaram a brigar, mas em algum momento ela devia ter falado alto e chamado a atenção da mãe.

— Mamãe, quanto a Arthur... Ele traiu minha confiança quando escondeu algo de mim.  Como insistir num relacionamento assim?

— Ele deve ter tido seus motivos e não há motivo que não possa ser justificado. — disse segurando as mãos da filha. —Ele é um bom rapaz e gosta de você de verdade.

Lívia, por um instante, se permitiu pensar em Arthur. Em como se conheceram e como foram felizes por tão pouco tempo, mesmo atravessando momentos difíceis.

—Só preciso de um tempo mamãe. — respondeu imaginando que o tempo que ela queria era apenas uma ilusão. Mas ela queria mesmo acreditar que o tempo resolveria muitas coisas. Ou simplesmente apagasse muitas coisas.

—Tudo bem, minha filha. Eu compreendo. Só não deixe esse tempo se estender muito. — D. Esmeralda parecia reflexiva. —Porque o tempo, embora possa ser um remédio em alguns casos, em outros, serve apenas para camuflar a superfície de uma ferida.

— Mas agora prepare algo para comer. Estou faminta. — disse sorrindo e dando um tapinha nas mãos de Lívia. —Vou esperar no quarto.

E aquele sorriso, ainda que fraco, foi para Lívia o frescor daquele dia e de outros que vieram antes que sua mãe partisse.

 

 

 

CONTINUA...

 


 

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