Um romance que não passou de um sonho
Já era quase meia noite e eu tinha bebido um pouco além da conta quando Alice veio me procurar. Abri a porta e ela entrou sem cerimônia. Largou a bolsinha sobre a mesa e se sentou no sofá.
Fiquei olhando pra ela, mas Alice não disse nada.
Fechei a porta e me sentei no chão, bem na sua frente.
- Está tudo certo?
- Sim. – Ela respondeu laconicamente. Mas eu sabia que não estava.
- Então? – Perguntei.
- Estava pensando sobre nós dois. – Ela disse, olhando para o teto.
- Em relação a o que?
- Em relação ao que não deu certo.
- Bem. Já pensei muito sobre isso.
- E a que conclusão chegou?
- Nenhuma. Eu só sei metade da história. Não dá pra concluir nada assim.
- O que você quer dizer com isso?
- Que eu nunca tive certeza do que passava pela sua cabeça. Assim como não sei agora.
- Você e suas desculpas...
- Eu e minhas razões.
- É...
- E então, você chegou a alguma conclusão?
- Sim.
- Estou esperando.
- Eu te culpo por tudo. Quero que você saiba disso.
- Pelo que, exatamente?
- Pelo que não aconteceu.
- Certo. É uma prerrogativa sua.
Alice crispou os lábios e me olhou como se pudesse me ferir com um olhar.
- É só isso o que você tem a dizer?
- O que você quer que eu diga exatamente?
- Eu queria que você tomasse a iniciativa alguma vez na sua vida.
Me levantei, fui até a cozinha, abri a geladeira e peguei mais uma lata de cerveja.
- Continua. Eu estou ouvindo – Falei enquanto bebia um gole diretamente da boca da lata.
- Você escreveu tantas vezes sobre o quanto gostava de mim. Mas nunca disse isso diretamente. Nunca disse isso na minha cara. Nunca nem tentou me beijar. Como você queria que algo acontecesse?
- Talvez não fosse pra acontecer.
- É nisso que você acredita?
- Eu não sei. Só acho que quando é pra ser. As duas pessoas podem dar um jeito de fazer acontecer.
- Porra! Tinha tanta coisa rolando ao mesmo tempo. Minha vida tava uma bagunça.
- Não só a sua.
- Eu nunca entendi como você podia escrever aquelas coisas... que eu sabia que eram sobre mim... Mas nunca chegar pra falar sobre isso.
- Por que eu nunca senti que você realmente quisesse viver o que eu queria viver com você. E não quis desperdiçar o sentimento. Ele ficou melhor transformado numa história, do que se espatifando contra a realidade.
Alice parou e me encarou sem ter o que dizer.
Ela se levantou, e se sentou novamente e enfiou as mãos no bolso da calça.
- Porra! Eu queria um cigarro agora!
- Pensei que você tivesse parado de fumar.
- Parei... Mas de vez em quando eu sinto falta.
Tomei mais um gole da cerveja e sentei do lado dela.
- O que você queria viver comigo? – Ela perguntou olhando diretamente pros meus olhos.
- Você estava à procura de algo passageiro. O que eu sentia por você era algo bem além disso. Pode parecer infantil. Mas eu senti isso no primeiro momento em que te vi. Precisei escrever tudo o que eu escrevi, como forma de tornar a vida real um pouco mais fácil de digerir.
- Não sei o que dizer... sinceramente.
- Não precisa dizer nada.
Alice me olhou como se ainda estivesse procurando palavras para argumentar. Mas por fim sorriu e encostou a cabeça no meu ombro.
- Desisto de entender o que acontece entre nós dois. – Ela disse, caindo na risada.
O riso de Alice foi perdendo o fôlego e ela entrelaçou os dedos de nossas mãos. Enfim.
Não havia pressa, e eu não fazia muita questão de entender nada.
Rômulo M. Moraes Filho – 15/01/2021