_______________________ CARTAS NA MESA
Entre estertores e suores frios, Cema se revirava na cama larga do quarto de dormir. Por onde andaria o marido, àquelas horas? Não precisava especular muito: Firmino jogava no casarão da Rua da Cadeia, onde varava noites no vício.
Odila, parteira de experiência, sentia que daquela vez a coisa fugia dos prumos. Cema mordia um pedaço de pano limpo. Tinha ânsias de gritar, mas temia acordar a filharada, que dormia a sono solto pelos muitos quartos do corredor. Mãe de onze, ela nunca tivera medo de parir, mas agora um pressentimento apavorante a invadia.
Sentindo os ares funestos da casa, Odila mandou recado a Firmino, mas o homem nem se dignou a dar o ar da graça. No meio da madrugada, as dores cessaram. Odila sabia que aquele estado letárgico de Cema era mau sinal. A criança tinha perdido as forças. À luz bruxuleante do lampião, o lençol era um mar de sangue. Cema gemeu fracamente, abandonou as mãos exangues sobre o corpo frio. Odila soube que nada mais havia a ser feito.
À volta da mesa, no antro da jogatina, Firmino bradava impropérios ao tom acalorado da disputa. Naquela noite, apostara seu último conto de réis. Entregue aos desvarios, o homem ainda não sabia da mulher e seu ventre morto sendo velados pela vizinhança — e nem faria diferença saber. Resoluto, ele retirou do anelar esquerdo a aliança de ouro, seu derradeiro bem, e ofertou-a na roda. Engolindo mais uma talagada de cachaça, propôs outra partida: não era gente de desistir.
Tema da Semana: O Último Conto (conto)